O extermínio da memória
13 dez 17

O extermínio da memória

Michel Gherman

Ualid Rabah é vezeiro no uso de discursos exclusivistas. Dessa forma, apesar de indignar e ofender a todos que se preocupam com a memória do Holocausto, o título de seu artigo não chega a surpreender. Afinal, ao qualificar a decisão norte-americana de “sinal verde à ‘solução final’ na Palestina”, Rabah apenas comete mais um desatino em uma lista bastante grande e variada.

O que pode nos surpreender é que um jornal respeitado e de grande circulação não tenha tido constrangimento em incluir em suas páginas um artigo assim intitulado. Mas Ualid não pode ser acusado de incoerente. Se ele inicia o artigo com uma provocação, essa é a dinâmica do texto como um todo. Em cada parágrafo há falseamento da história, simplificação de processos complexos e o estabelecimento de uma narrativa de exclusão e intolerância ao outro.

Já no início, o autor promove uma revisita, digamos assim, peculiar à história dos judeus e da Palestina. Segundo sua lógica, a decisão de Trump marcaria uma espécie de apoio linear e constante dos EUA a Israel. Para provar sua tese, Ualid ignora o vínculo histórico dos judeus com aquela terra, chama os judeus de “estrangeiros” e, mais ainda, faz isso justificando a partilha da Palestina como um aceno dos Estados Unidos a “estrangeiros perseguidos e massacrados (…) na Europa”.

Ualid constrói uma narrativa em que não teria havido movimento sionista, os judeus não teriam relação com a Terra de Israel e nem teriam começado um processo contínuo de imigração ao território. Houve o Holocausto na Europa e eles foram para lá. Quem os teria ajudado? Os Estados Unidos.

Aqui o autor “esquece” as negociações para o fim do conflito entre árabes e judeus, “esquece” os acordos de Hussein Macahon, “esquece” as tentativas árabe-palestinas para impedir a entrada de judeus europeus na Palestina (o livro Branco) em pleno domínio nazista. “Esquece” que o bloco soviético apoiou a partilha da Palestina, “esquece” que lideranças palestinas, tal qual o Mufti Amin Al Hissein apoiou Hitler. Enfim, “esquece” tudo aquilo que atrapalha sua narrativa.

Além de “esquecer”, ele cria a ideia de que foram os Estados Unidos que propuseram a partilha, estabelece uma continuidade histórica entre habitantes que viviam na região em tempos bíblicos e na atualidade e chama as cidades bíblicas de…. cidades palestinas. Tudo isso ignorando qualquer vínculo, memória ou história judaica na região. Na fantasia construída no artigo, a história judaica se transforma em uma história palestina.

O texto promove uma limpeza da história, excluindo o que incomoda e acrescentando o que convém. Age como um assassino da memória. Tudo isso em nome da própria “história”, em nome da própria memória.

Vejam, a decisão de Trump até pode ser criticada. Pode-se dizer que a decisão fortalece discursos belicosos na região. Mas o centro do artigo de Ualid não é discordar de Trump, é desconsiderar a história judaica em Jerusalém.

Ao final, Ualid volta a usar o conceito de “solução final” na Palestina afirmando que a intenção de tal plano seria “a expulsão de todos os palestinos para que seus lugares sejam ocupados apenas por quem professa o judaísmo”. Aqui, o leitor mais atento vai notar que Ualid, além de supor um plano maquiavélico de troca populacional, desconsidera a existência do povo judeu, tratando-o apenas como gente que professa uma religião.

Essa é a base de toda sua argumentação: o povo judeu não existe, não havendo direito, portanto, a um Estado. Para isso promove apagamento de marcas de memória, da história judaica, de vínculos com Jerusalém.

Para terminar, o autor usa de mais um arremedo de desonestidade intelectual ao ensaiar a acusação de que os judeus planejam pureza étnica e racial na Palestina.

O discurso de Ualid Rabah fortalece setores radicais de ambos os lados e enfraquece os que buscam uma solução justa e negociada para israelenses e palestinos.

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