
Dilemas estratégicos de Israel diante do massacre druso em Suwayda
Revital PolegRevital Poleg
Sete meses após a queda do regime de Bashar al-Assad na Síria, em dezembro de 2024, e a ascensão ao poder de Ahmad al-Sharaa, líder da organização jihadista síria Hayat Tahrir al-Sham – que declarou seu compromisso com a proteção das minorias étnicas e religiosas do país – ocorreu na região de As-Suwayda, no sul da Síria, uma escalada violenta que colocou à prova tais declarações de forma contundente.
O que começou como um incidente relativamente periférico rapidamente evoluiu para um confronto de grande escala, com envolvimento regional e internacional, lançando uma sombra pesada sobre a legitimidade do novo regime e suscitando dúvidas adicionais sobre sua natureza e capacidade de governança. Durante vários dias, ocorreram intensos confrontos entre milícias drusas locais e combatentes de tribos beduínas sunitas. A entrada das forças de segurança sírias na região, supostamente para restaurar a ordem, resultou em uma nova escalada e em violentos combates entre elas, os drusos e outros grupos armados.
Relatos e imagens perturbadoras circularam pelas redes, documentando centenas de drusos mortos, estupros, torturas, execuções e o corte forçado dos bigodes de xeques drusos – um gesto percebido como uma humilhação cultural profunda – despertando entre muitos em Israel lembranças amargas dos horrores de 7 de outubro.
Mais do que tudo, os eventos causaram comoção profunda entre a comunidade drusa em Israel, que se sentiu impotente e profundamente angustiada. Lideranças da comunidade apelaram ao primeiro-ministro e ao ministro da Defesa para que interviessem imediatamente a fim de deter os massacres e salvar seus irmãos. Protestos espontâneos irromperam em cruzamentos próximos a vilarejos drusos na Galileia. Soldados e oficiais drusos pediram para que Israel não ficasse indiferente, e mais de mil jovens drusos da Galileia, do Carmelo e das Colinas de Golã romperam a cerca da fronteira na região de Majdal Shams, tentando se unir aos combatentes drusos em Suwayda.
Israel considerou os acontecimentos uma violação do compromisso assumido pelo novo regime de manter o sul da Síria desmilitarizado e, assim, começou uma série de ataques: inicialmente como um sinal simbólico de advertência, e posteriormente atingindo diretamente alvos do governo em Damasco.
Apesar do anúncio do presidente Donald Trump sobre um cessar-fogo entre Israel e a Síria, a violência no sul do país continuou. Os episódios sangrentos no distrito de As-Suwayda revelaram a fragilidade da situação e a profundidade do abismo entre as declarações políticas e a realidade no terreno – sobretudo, a enorme incerteza quanto ao rumo que tomará a Síria sob o novo regime.
Tudo isso ocorre enquanto Israel e a Síria mantêm há alguns meses um diálogo direto sobre coordenação de segurança e política – liderado, do lado israelense, pelo chefe do Conselho de Segurança Nacional, enquanto, em paralelo, os Estados Unidos sinalizam a possibilidade de uma futura normalização entre os dois países, incluindo conversas sobre a eventual adesão da Síria e do Líbano aos Acordos de Abraão.
Diante desses acontecimentos, o desafio que se impõe a Israel é fundamental. Vejamos os dilemas centrais que a realidade atual coloca diante do país:
A comunidade drusa, em todos os países da região onde vive – Israel, Síria, Líbano e até mesmo a pequena comunidade na Jordânia – é conhecida por sua lealdade ao Estado onde reside. No Líbano e na Síria, essa postura também se manteve, sobretudo sob o regime de Assad pai, que lhes concedeu relativa autonomia.
Mas, além da lealdade ao Estado nacional, os drusos compartilham uma profunda identidade supraestatal — uma rede densa de laços de sangue, religião, cultura e destino, que conecta os membros da comunidade além das fronteiras políticas, mesmo quando seus compromissos políticos divergem.
Os drusos em Israel nunca permaneceram indiferentes ao destino de seus irmãos na Síria: acompanham os acompanham os acontecimentos e sentem uma responsabilidade tanto prática quanto emocional de estar ao lado deles em momentos de aflição.
O massacre em Suwayda intensificou essa ligação, evidenciando de forma aguda a dualidade entre identidade comunitária e pertencimento nacional — uma dinâmica que, em certa medida, também ressoa nas relações entre Israel e comunidades da diáspora judaica.
Aqui surge o primeiro dilema: o pacto de sangue entre o Estado de Israel e seus cidadãos drusos obriga Israel a agir também além de suas fronteiras? Uma obrigação moral para com seus cidadãos justifica uma ação militar em território de um Estado soberano?
A tensão entre a identidade drusa coletiva e a cidadania israelense acentua a complexidade: por um lado, os drusos em Israel esperam – e com razão, aos olhos de muitos – que o Estado não fique de braços cruzados; por outro, qualquer intervenção pode comprometer o diálogo sensível com o novo regime em Damasco, desestabilizar a fronteira com a Síria e prejudicar os esforços de Trump para estabilizar a ordem regional – e até gerar uma tensão desnecessária com Israel.
Daí deriva o segundo dilema, não menos complexo: Israel iniciou contatos preliminares com o governo de al-Sharaa, apesar da névoa que ainda envolve sua natureza e seus objetivos. É legítimo e estrategicamente prudente, especialmente neste momento, responder militarmente a acontecimentos que podem impactar sua segurança?
Afinal, a fuga de centenas de drusos sírios em direção à fronteira, em busca de proteção após o início dos massacres, poderia, em outro cenário, servir de precedente para uma incursão hostil vinda da Síria, como vimos, tragicamente, em 7 de outubro
A realidade nebulosa, em que há diálogo diplomático por um lado e confrontos sangrentos por outro, exige de Israel decisões sob condições de altíssima incerteza. Atacar símbolos do governo sírio, por mais justificável que seja, pode ser percebido como provocação, desestabilizar processos delicados e provocar reações imprevisíveis.
Israel se encontra, portanto, diante de um paradoxo estratégico: uma resposta enérgica pode afastar Damasco do diálogo e acirrar o front norte, enquanto a ausência de resposta pode ser interpretada como fraqueza e prejudicar tanto o interesse de segurança imediato quanto a comunidade drusa – parte integrante do tecido nacional israelense. A questão não é apenas moral: ela toca o próprio cerne da formulação da estratégia israelense.
Existe, afinal, uma estratégia clara por parte de Israel? Ou será que o país age sob pressão interna, inércia reativa e necessidade de projetar força – tanto para o público interno quanto para o exterior?
Além disso, Israel opera dentro de uma rede complexa de pressões externas — sendo a principal delas vinda de Washington. O governo Trump, ao qual Israel se vê vinculado, tem como meta declarada a unificação da Síria sob um governo central, e vê no regime de al-Sharaa um instrumento essencial para alcançar a estabilidade regional. Como parte dessa visão, os Estados Unidos coordenam diretamente com a Turquia, parceira declarada nesse projeto, mas também rival evidente e hostil de Israel. Esse, por si só, constitui mais um dilema estratégico.
Nesse contexto, Israel não atua como agente totalmente livre. Suas ações militares são examinadas com lupa, e qualquer iniciativa que não seja previamente coordenada pode ser interpretada como um obstáculo à política americana – como efetivamente ocorreu desta vez.
Por outro lado, o próprio fato de adotar medidas militares – especialmente à luz da retórica combativa liderada pelo primeiro-ministro e pelo ministro da Defesa contra a Síria, enquanto um canal de diálogo deveria ser retomado – levanta questionamentos sérios sobre a real necessidade e a eficácia dessas ações.
E há ainda o componente turco: a cooperação entre Estados Unidos e Turquia, centrada na busca de arranjos com curdos e drusos, é por si só inquietante – já que os interesses das duas potências diferem substancialmente. Enquanto os Estados Unidos almejam construir uma nova ordem regional com base na ampliação dos Acordos de Abraão, a Turquia busca ampliar sua influência na Síria – influência esta que representa uma ameaça potencial direta a Israel.
Israel deve zelar por seus interesses internos e de segurança, mas ao mesmo tempo evitar ser vista como fator de desestabilização da ordem regional que sua aliada tenta consolidar.
Vale lembrar, nesse contexto, o precedente de 1975: diante da guerra civil no Líbano e da ameaça representada por organizações palestinas e outras facções contra os habitantes do sul – sobretudo cristãos pró-Israel e drusos, Israel adotou uma resposta deliberada e multifacetada.
Sob a liderança do então ministro da Defesa Shimon Peres, foi implementada a chamada “política da boa vizinhança” (Good Fence Policy), que combinava apoio civil, médico e econômico com suporte militar ao Exército do Líbano Livre, sem envolvimento militar direto – com o objetivo estratégico de fortalecer a presença israelense, conter o avanço de grupos terroristas e proteger as populações locais. A iniciativa foi positivamente recebida por cristãos e drusos no Líbano, assim como valorizada pela comunidade internacional.
Ainda que cada situação exija uma análise contextual, também hoje, diante dos desafios no norte e dos dilemas locais, regionais e internacionais, esse princípio permanece relevante: a resposta israelense não precisa assumir a forma de uma ação militar direta ou de uma declaração política pública. Ela pode se traduzir em uma atuação cuidadosa, gradual e multidimensional, que combine assistência civil, presença estratégica inteligente e planejamento de longo prazo.
Um convite à reflexão.
Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.
Foto: wikimediacommons
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