“É uma nação que habita só, não é contada entre as nações”
11 jul 25

“É uma nação que habita só, não é contada entre as nações”

David Diesendruck

“É uma nação que habita só, não é contada entre as nações”

Devarim / Números 23:9

David Diesendruck

Esta frase, presente na leitura semanal deste próximo Shabat e proferida pelo profeta pagão Bilam, ganha hoje uma dimensão ainda mais profunda. Judeus — em Israel e na diáspora, de todas as correntes ideológicas, religiosas ou étnicas — sentem-se, cada vez mais, isolados e discriminados.

Seria essa uma maldição recorrente da nossa história, aliviada no pós-Shoa, mas agora voltando a nos assombrar? Ou será que não se trata de uma maldição, mas de uma constatação? Quais seriam as possíveis interpretações dessa sentença tão icônica da nossa tradição?

A narrativa se torna ainda mais interessante quando observada em seu contexto mais amplo. Bilam, contratado por Balak, rei de Moav, para amaldiçoar Israel, acaba, impedido por Deus, proferindo outra das mais belas declarações bíblicas sobre nosso povo — frase que inclusive integra nossas orações diárias:

“Quão belas são as tuas tendas, ó Jacó, e as tuas moradas, ó Israel!”

A interpretação mais difundida atualmente é a de que nosso destino como povo está inevitavelmente ligado à perseguição, ao ódio, à inveja e ao isolamento — como se o antissemitismo fosse uma condição permanente da existência judaica.

O rabino Jonathan Sacks rejeita essa visão. Ele nos lembra que nenhum de nossos profetas jamais apresentou o antissemitismo como um destino inevitável. Pelo contrário.

Então, como interpretar essas frases segundo Sacks?

Ao longo da história, vemos que, diferentemente de outros povos — que emergem a partir de uma terra, desenvolvem sua cultura e se consolidam como nação — o povo judeu, desde o exílio na Babilônia, não compartilha um território único, um idioma comum, ou uma experiência política e cultural homogênea. E ainda assim, somos vistos — e nos vemos — como uma nação.

No judaísmo, religião e nação se entrelaçam. Ambas são pilares da nossa identidade.

O que torna os judeus “uma nação que habita só, não contada entre as nações” não é o destino de isolamento, mas a escolha — a ambição — de ser um povo que busca servir de exemplo às outras nações, por meio de sua fé, seus valores e sua ética. É essa vocação que constitui nossa contribuição singular à humanidade. Nosso particularismo é o nosso universalismo.


Infelizmente, desde março de 2023, essa contribuição vem sofrendo sérios abalos. A reforma judicial proposta pela atual coalizão governista em Israel dividiu o país, enfraqueceu suas instituições e pavimentou o caminho para a tragédia de 7 de outubro.

A guerra em Gaza — com milhares de civis mortos de ambos os lados — tem deteriorado gravemente a imagem de Israel e dos judeus em todo o mundo. Países antes aliados de Israel se distanciam; o antissemitismo cresce. O mundo, mais uma vez, se fecha aos judeus — dentro e fora de Israel.

É preciso reconhecer: a guerra é assimétrica, difícil, e o direito internacional não foi concebido para os dilemas que o exército israelense enfrenta. A seletividade, a incoerência e a hipocrisia de muitos defensores dos direitos humanos, especialmente em setores do campo progressista, são gritantes.

Mas isso não nos isenta da autocrítica. E importante termos a humildade de reconhecer nossos erros, escutar críticas sinceras de aliados e, sobretudo, defender a essência moral do judaísmo e do sionismo. Foi essa essência que nos trouxe até aqui — e será ela a nossa maior garantia de continuidade.

Temos hoje um governo que já não representa a maioria dos israelenses. Que não encarna o ideal de um Estado judeu e democrático, como foi sonhado por seus fundadores.

O enfraquecimento do Eixo da Resistência iraniano e de suas proxies no Líbano, Síria, Gaza e Iêmen cria uma rara oportunidade para que Israel deixe de ser visto apenas como potência militar e se torne um vizinho colaborador na região. Para isso, será preciso revisar a educação judaico-sionista, ainda moldada por lógicas defensivas, e renovar o vínculo entre Israel e a diáspora em torno de uma visão de futuro compartilhada e construtiva

É urgente o diálogo inclusivo, respeitoso e qualificado — que acolha um debate amplo em busca de unidade, e não de unanimidade, para que possamos enfrentar juntos os novos desafios deste tempo.

Como finaliza Sacks: “Se esquecermos disso, sempre haverá um Bilam para nos lembrar.
E não deveríamos precisar de um lembrete assim.”

Shabat Shalom

Foto: Pixabay

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