Igualdade no fardo do recrutamento e uma nova proposta de lei
22 maio 23

Igualdade no fardo do recrutamento e uma nova proposta de lei

Revital Poleg

Revital Poleg

Quando falamos sobre a revolução liderada pelo governo de Benjamin Netanyahu, nos concentramos geralmente nos componentes legais do texto, que está em pauta desde o início deste governo.

Porém, a revolução não está limitada apenas à relação entre o poder judiciário e os poderes executivo e legislativo. Simultaneamente, e por exigência dos partidos ultraortodoxos, o governo está liderando uma série de leis e regulamentos que terão um impacto significativo – e negativo – nas relações religiosos-seculares. 

Um dos principais pontos diz respeito ao recrutamento ao serviço militar dos jovens ultraortodoxos. Essa questão essencial, que já foi definida no passado pela Suprema Corte como “uma das mais sensíveis falhas da sociedade israelense”, não pode ser tomada levianamente.

O novo projeto de lei vai eliminar de fato a chance de conseguir igualdade nos fardos entre indivíduos e grupos da população em Israel. Além disso, ancora na lei a injustiça social que essa questão constitui. 

Ou seja: é uma forma de institucionalizar a desigualdade tanto moral quanto de oportunidades entre aqueles que, por lei, dedicam 2 ou 3 anos ao serviço militar ou civil e aqueles que, também por lei, estão isentos de qualquer tipo de serviço para o estado.

A origem do acordo de não servir, para estudantes de yeshiva cuja “a Torá é sua ocupação” e, portanto, não precisam se alistar no exército, foi a instrução do primeiro-ministro David Ben-Gurion, durante a Guerra da Independência (1948). Esse acordo temporário, que na época envolvia apenas 400 jovens Haredi, se tornou, com os anos, a principal rota para os jovens ultraortodoxos e foi o fator principal que transformou a sociedade ultraortodoxa em uma “sociedade de aprendizes”, que não carrega o fardo do recrutamento. 

Desde sua criação, as Forças de Defesa de Israel são chamadas de “Exército do Povo”. A ideia por trás disso era que o povo deve ser protegido pelo exército do povo e, portanto, o recrutamento deve ser aplicado a todos. Além disso, foi decidido que o exército tem funções sociais e educacionais e constitui um parceiro central no processo de construção da nação. Enquanto continuar assim, constitui uma entidade social significativa. Assim, o recrutamento obrigatório introduzido por lei após o estabelecimento do Estado é um dos geradores mais importantes de integração da sociedade israelense, que é um mosaico fascinante e vasto de origens e culturas.

Apesar de ser uma organização militar, e apesar de, ao longo dos anos, o exército ter se envolvido em controvérsias sociais (como a questão do recrutamento dos ultraortodoxos), ou em atividades que foram realizadas, como sempre, a mando do escalão político, mas que às vezes eram polêmicas dentro do povo, ele continua sendo uma entidade consensual, respeitada e muito valorizada na sociedade israelense.

Mas, a recusa da liderança ultraortodoxa em compartilhar o fardo do serviço obrigatório constitui uma ameaça real à capacidade do exército de continuar sendo o “exército do povo” ao longo do tempo. A recente e ultrajante declaração do parlamentar Moshe Gafni, do partido ultraortodoxo Judaísmo Unido da Torá,  expressa com clareza a direção rumo à qual estamos indo. Disse ele: “Metade das pessoas aprenderá a Torá e metade servirá no exército”.

Sem entrar nos inúmeros e complexos detalhes do debate contínuo na sociedade israelense sobre o tema, podemos dizer que qualquer tentativa feita ao longo dos anos para modificar essa realidade foi repetidamente rejeitada devido a considerações políticas. Mesmo quando um novo projeto de lei foi aprovado (“Lei Tal”, 2002), limitando as condições de isenção, ele não foi implementado na prática. 

O processo foi e continua sendo um osso na garganta de todas coalizões e até mesmo levou a eleições antecipadas duas vezes (a queda dos governos de Netanyahu em 2012 e em 2018). 

Então, em que a situação atual é diferente da anterior?

Como em tudo relacionado a esse governo, a resposta é o próprio Netanyahu. Seus parceiros na coalizão percebem sua fraqueza e a sabem se aproveitar, pois essa é uma oportunidade única para eles.

Na semana passada, o governo aprovou mais de 14 bilhões de shekels de fundos de coalizão, destinados exclusivamente a atender às demandas dos partidos parceiros. No entanto, apesar dessa quantia sem precedentes, os parceiros de Netanyahu ainda não ficaram satisfeitos. Eles exigem e ameaçam, simplesmente porque podem, (sabendo bem que Netanyahu não tem outra alternativa de governo, ainda mais em sua atual situação como político acusado de crimes) e que ele depende totalmente da parceria com os ultraortodoxos e os colonos.

Assim, e por exigência dos partidos ultraortodoxos, o governo está formulando agora uma nova proposta de lei que estabelecerá oficialmente a política de recrutamento militar, de acordo com a qual os ultraortodoxos não são obrigados a servir no exército quase totalmente.

A fim de reduzir as graves reações públicas esperadas, Netanyahu tentou desativar a bomba-relógio chamada “lei de recrutamento” e conseguiu o consentimento dos ultraortodoxos para adiar a questão até julho de 2023, paralelamente às votações previstas das leis de reforma judicial. A conexão entre as duas coisas não é acidental.

A recusa da liderança ultraortodoxa de compartilhar o fardo e o dever moral e ético de defender a nação não se refere apenas às necessidades de recursos humanos do exército, mas também à resiliência e à solidariedade da sociedade israelense. Mais ainda, está até violando o potencial para igualdade de oportunidades do seu próprio público.

Por trás dessa atitude existe (entre outras razões) o receio da liderança ultraortodoxa de “perder” muitos membros de sua comunidade que estarão expostos à realidade fora da estrutura fechada ultraortodoxa e talvez a prefiram. O afastamento que impõem à sua comunidade prejudica, em primeiro lugar, a sua própria comunidade e seu futuro, além de estimular a sociedade israelense contra eles. 

De fato, compartilhar o fardo pode até fortalecer o status político da comunidade ultraortodoxa em Israel e contribuir para melhorar as relações religiosos-seculares, mas, então, talvez a atual liderança possa encontrar-se desafiada por dentro de sua própria comunidade, e isso é exatamente o que eles mais temem.

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