
As últimas e desesperadas tentativas Israelenses contra o “Acordo ruim” com o Irã
Daniela Kresch
TEL AVIV – Há quase uma década, a sigla JCPOA (Plano de Ação Conjunto Global, em português) é uma espécie de fantasma que ronda os israelenses. Volta e meia, se torna algo urgente e estressante e o nível de ansiedade em relação ao assunto decola às alturas. Estamos passando por um desses momentos. A tensão é visível na imprensa, entre a cúpula política e militar e os especialistas em Relações Internacionais e Segurança.
Mas o que é o JCPOA e por que o estresse, agora? O Plano de Ação Conjunto Global é um acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano que começou a ser discutido entre o chamado P5+1 (China, França, Rússia, Reino Unido, EUA e Alemanha) em 2013, foi firmado em 2015, quase engavetado em 2018 e que voltou às manchetes no começo de 2022. Agora, está prestes a sair novamente do papel.
Os israelenses não gostam dele. Acham que é fraco demais, ingênuo demais. O P5+1 acreditaria estar cortando as asinhas do Irã no que tange seu programa de armas nucleares. Mas, segundo os israelenses, os iranianos, nada confiáveis, seriam mais espertos. Conseguiriam, com o acordo, ver revogadas as sanções econômicas contra o regime dos aiatolás e, ao mesmo tempo, desenvolver tecnologia para produzir armas nucleares, o que poderiam fazer já em 2030, quando o acordo expirar.
Os israelenses acham que não têm mais como evitar a assinatura do acordo. O primeiro-ministro Lapid já avisou que pediu ao exército e ao Mossad que se preparem para agir. Isto é: o Estado de Israel não se sentirá comprometido a honrar o acordo e agirá sozinho. O que isso significa? Poucos conseguem imaginar. Quem sabe um ataque aéreo israelense contra usinas nucleares iranianas, como o que aconteceu contra o Iraque em 1981? E, se isso acontecer, qual será a reação do Irã e seus proxies (Hezbollah e Hamas)? E, caso Israel não faça nada, é possível que o Irã tenha armas nucleares capazes de alcançar Israel antes de 2030. Os cenários não são nada bons.
Desde 2013, Israel teve três primeiros-ministros: Benjamin Netanyahu, Naftali Bennett e, agora, Yair Lapid. Se alguém achava que só “Bibi” Netanyahu militava contra o JCPOA, errou. Tanto Bennett quanto Lapid continuaram com o mesmo discurso de Bibi: trata-se de um “acordo ruim”. Um acordo que Israel não aceita e não se sentirá comprometido a aceitar.
É claro que, agora, dois meses antes de mais uma eleição para o Knesset (o Parlamento, em Jerusalém), Netanyahu está criticando Bennett e Lapid por não terem feito todo o possível contra o acordo. Lapid tem respondido, dizendo que tudo o que Netanyahu fez em seus mandatos foi apenas teatro e discursos (Netanyahu chegou a discursar frente ao Congresso americano contra o acordo, em 2015, agindo contra os esforços do então presidente, Barack Obama).
Lapid diz que está fazendo o necessário contra o acordo, mas por debaixo dos panos, pelos canais diplomáticos, sem ficar alardeando aos quatro ventos e tentando ganhar pontos políticos com isso.
Para ele, a única coisa que Israel pode fazer agora é tentar modificar o máximo que puder o acordo que será assinado. O ministro da Defesa, Benny Gantz, e o conselheiro de Segurança Nacional, Eyal Hulata, se reuniram na semana passada com o conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan. E, semana que vem, o chefe do Mossad, David Barnea, irá a Washington como parte de seus esforços para influenciar o presidente Joe Biden e o Congresso americano com dados da Inteligência israelense.
Mas como é esse “acordo ruim”? Segundo o esboço apresentado pela União Europeia em 21 de julho, ele consistiria de quatro passos. O primeiro, o “Dia zero”, seria a assinatura – a princípio sem participação dos EUA. Os americanos só voltariam à mesa 165 dias depois. Nesse momento, Joe Biden rescindiria três ordens executivas relativas ao Irã, bem como sanções secundárias a 17 bancos, que liberariam mais de US$ 7 bilhões pertencentes ao Irã dos bancos sul-coreanos.
O Irã deixaria de enriquecer urânio para 60% e reduziria o enriquecimento para 20%, e permitiria que a Agência Internacional de Energia Atômica iniciasse a retomada do monitoramento das instalações nucleares iranianas.
O próximo passo seria o “Dia da confirmação”, 60 dias após o “dia zero”. Os EUA concederiam uma isenção única de sanções ao Irã para vender 50 milhões de barris de petróleo e permitiriam negociações comerciais nas áreas de energia e aviação. O Irã deixaria de enriquecer urânio com pureza superior a 5% e iniciaria um período de preparação para transferir informações para a AIEA e permitir que a agência retomasse totalmente o monitoramento.
Dois meses depois, no dia 120, ocorreria o “Dia da reimplementação”, mas só caso o Irã cumpra seus compromissos com a AIEA em relação à investigação em andamento sobre urânio enriquecido encontrado em instalações nucleares não declaradas. Isso significa que o Irã daria à AIEA uma resposta confiável quanto à fonte desse urânio. O Irã também completaria todas as etapas exigidas pelo acordo – reduzindo o enriquecimento de urânio para 3,67%, reduzindo seu estoque, selando e transferindo centrífugas e permitindo que a AIEA retome totalmente o monitoramento.
Os EUA, por sua vez, removeriam todas as sanções secundárias ao Irã e designações terroristas acordadas – isso não inclui a Guarda Revolucionária Islâmica.
O quarto e último passo seria o “Dia da conclusão” aconteceria no dia 165, no qual todas as restrições nucleares e alívio das sanções entrariam em vigor. Os EUA levantariam o embargo de armas convencionais ao Irã e permitiriam mais comércio entre os países, e o Irã removeria a infraestrutura de enriquecimento restante.
O problema maior é o que vem depois da conclusão: Em 2024, as limitações de pesquisa e desenvolvimento de centrífugas avançadas começariam a expirar e, em 2025, o mecanismo que traz de volta todas as sanções ao Irã se violar o acordo, expiraria. Em 2026, as restrições ao uso de centrífugas, inclusive as avançadas, começam a expirar, gradativamente até 2028. E, em 2030, o acordo com o Irã expira inteiramente, sem limites para enriquecimento de urânio, armazenamento, reatores de água pesada ou plutônio.
Essa última data, 2030, está aí na esquina. Não é algo a perder de vista. Isso explica o desespero e o estresse em Israel. Daqui a apenas oito anos, o Irã poderia enriquecer urânio como quiser. Israel quer um acordo sem essa data e com supervisão constante. Um acordo que não expire antes do fim desta década.
Agora, é esperar para ver quem vai vencer esse cabo-de-guerra diplomático.
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