
Eles ainda estão lá: 670 dias no inferno dos túneis de Gaza
Revital PolegRevital Poleg
Sabíamos que a situação dos reféns estava se deteriorando.
Ouvimos também relatos arrepiantes de sobreviventes do cativeiro que voltaram para casa em estado físico e emocional profundamente debilitado, feridos no corpo e na alma.
Esses testemunhos acenderam sinais de alerta em vermelho vivo, mais intensos do que nunca, em todos aqueles cujo coração está no lugar certo: o perigo à vida dos que ainda estão lá é real. Claro. Concreto.
E, mesmo assim, nada poderia ter preparado qualquer ser humano para as imagens horríveis reveladas nos vídeos divulgados pelo Hamas nos últimos dias.
Rom Braslavski e Evyatar David, dois jovens israelenses no início dos seus vinte e poucos anos, foram sequestrados na Festa Nova em outubro de 2023.
Estavam saudáveis, fortes e cheios de vida. Agora parecem sombras humanas, esqueletos que mal conseguem, se é que conseguem, caminhar. Estão física e emocionalmente destruídos, agonizando nos túneis do Hamas, implorando para serem tirados de lá – sem ninguém que os salve. Restos de seres humanos, à beira da morte, resultado de inanição intencional, tortura, crueldade e uma maldade incompreensível.
Essas imagens, que remetem todos nós aos horrores do Holocausto e aos crimes dos nazistas, e aos Muselmanns, aqueles restos humanos ainda vivos que se viam nos campos de extermíniom e não deixam espaço para interpretações. Rom e Evyatar são testemunhas vivas desse horror. O mesmo horror que levou o Estado de Israel, em sua fundação, a inscrever em sua bandeira a promessa: “Nunca mais.”
A situação de Rom e Evyatar – e provavelmente também a de outros 18 reféns vivos (??) que ainda estão lá, em Gaza, em condições semelhantes – não é apenas uma tragédia pessoal dilacerante. É uma prova chocante de um fracasso moral que se arrasta há 670 dias sob a terra – e talvez também bem distante dos resquícios da consciência daqueles que tomam as decisões, e que a qualquer custo já deveriam tê-los trazido de volta para casa, como deseja a esmagadora maioria da população israelense.
Um relatório médico publicado esta semana pela equipe de saúde do Fórum das Famílias dos Reféns, liderado pelo professor Hagai Levine, estima que os dois reféns perderam mais de 40% do peso corporal. Trata-se de um estado grave de desnutrição que ameaça a vida, com possibilidade de colapso multissistêmico do organismo.
“O estado deles é ainda mais grave do que aquilo que conseguimos ver com os olhos”, afirma Levine, chefe da equipe médica. “Os órgãos internos estão encolhendo, o cérebro está comprometido, e há evidências de tortura psicológica.” Em sua avaliação, o ponto de não retorno está próximo.
As esperanças de um acordo que leve à libertação dos reféns se dissiparam repetidamente nas últimas semanas. Durante o mês de julho, a equipe de negociação israelense permaneceu por cerca de duas semanas em Doha, no Catar, em uma nova tentativa de alcançar um acordo parcial, conforme exigência de Israel. Ao longo dos dias de negociação, foram ouvidas mensagens encorajadoras, tanto do presidente dos Estados Unidos, que demonstrou otimismo quanto à possibilidade de um acordo e cessar-fogo, quanto do próprio primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
Relatos sobre “novos mapas”, sobre “flexibilização de exigências” e sobre a esperada chegada a Doha do enviado especial do presidente Trump para o tema, Steve Witkoff – como sinal de que as negociações avançavam rumo a uma conclusão – inundaram as manchetes e despertaram grandes expectativas, até que… Tudo desmoronou (mais uma vez!). Todos os lados retornaram aos seus países sem resultado, sem acordo, sem esperança.
O clima pesado e o profundo pessimismo quanto às chances de um acordo num futuro próximo levaram até mesmo Netanyahu a reconhecer – tarde demais, diga-se de passagem – que todos os 50 reféns devem ser libertados em um acordo único e abrangente. No entanto, uma nova tentativa norte-americana de reativar as negociações nos últimos dias fracassou.
Desde então, na prática, não apenas nos afastamos da possibilidade de retomar o diálogo, como o Hamas também endureceu suas posições e até mesmo rompeu o contato.
Em dias de grave crise humanitária em Gaza – que não deve, de forma alguma, ser minimizada, e que exige ação urgente e determinada para ser combatida – o foco da ira da comunidade internacional se volta, em grande parte, contra Israel, vista como a principal responsável pela condução da guerra.
Isso, apesar de o Hamas ter muito mais do que “mão e pé” no desencadeamento, prolongamento e agravamento da crise, inclusive aproveitando o momento para inflamar os sentimentos internacionais contra Israel.
Nesse clima, a atenção internacional e midiática ao tema dos reféns é baixa ou indiferente no melhor dos casos – ou cínica e negacionista, nos casos mais dolorosos e revoltantes.
Exemplo disso é uma matéria publicada no jornal brasileiro Folha de S. Paulo, em 4 de agosto, com o título: “Hamas diz que entregará comida a reféns se Israel abrir corredores humanitários” que à primeira vista soa como uma “equação justa”.
Mas não se encontra ali uma única palavra mencionando que, desde o massacre de 7 de outubro – ou seja, ao longo de 670 dias, até agora – o Hamas nunca permitiu o acesso da Cruz Vermelha aos reféns. Não para alimentação, não para cuidados médicos, nem para qualquer outra necessidade humanitária básica.
Em nenhum momento da matéria consta que o estado aterrador de Evyatar David, cuja foto aparece na reportagem, é, na prática, resultado direto daquilo que o próprio Hamas criou – desde o início, de forma sistemática e intencional – com inanição prolongada, tortura física e psicológica, muito antes mesmo que a crise humanitária em Gaza fosse reconhecida, e em relação a todos os reféns – tanto os que foram libertados quanto os que ainda estão lá.
Não tenho nenhuma expectativa de que o Hamas, organização terrorista assassina, ideologicamente comprometida com a jihad e com o extermínio do Estado de Israel, vá, de repente, revelar algum lampejo de humanidade em relação aos reféns.
Assim como a maioria da população israelense, guiada por valores democráticos e judaicos fundamentais, nossas exigências e expectativas são dirigidas ao governo de Israel. É deste país que devem vir as soluções para a libertação de todos os reféns e o fim da guerra.
Essas soluções já deveriam ter vindo há muito tempo. E agora, como ainda não vieram, esta já é a “hora H” – se não além disso.
Essa é também a exigência legítima de todas as famílias que já não sabem mais como conter a angústia e o desespero pelo destino de seus entes queridos.
Enquanto estas palavras estão sendo escritas, encerrou-se uma reunião de segurança restrita no gabinete do primeiro-ministro, na qual foi decidida a continuação da guerra em Gaza. Essa decisão significa entrar em áreas que o exército havia evitado até agora, por receio de colocar em risco os reféns. Em outras palavras: trata-se, na prática, de uma ocupação de Gaza.
“O dado está lançado”, declarou um porta-voz do governo, mesmo que o próprio chefe do Estado-Maior ainda se oponha.
Se tantos sentiram o coração despencar ao ouvir essas palavras, é difícil imaginar o que sentem as famílias dos sequestrados, muitos dos quais conheço pessoalmente. Imediatamente me vem à mente a imagem de Silvia Cunio, cujos dois filhos, David e Ariel, ainda estão presos nos túneis do Hamas. Olhos que parecem um abismo negro e profundo de tristeza sem fundo. De uma dor para a qual faltam palavras. Sim, a tristeza não tem fim.
“Se houvesse um fundo para o inferno, é lá que eu estaria agora…”, diz Ruhama Bohbot, mãe de Elkaná, ainda refém em Gaza. “Cada garfada que levo à boca vem acompanhada de choro. Cada banho que tomo dura no máximo dois minutos… Devolvam nossos filhos!!!” ela clama. “Já não importa mais em que estado eles estão. Apenas nos tragam de volta! Nós vamos cuidar deles. Mas ocupar Gaza?” ela continua. “O dado foi lançado? Sim, foi o nosso destino que foi lançado… Alguém enlouqueceu!”
Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.
Foto: Reprodução
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