Unidade ou Unanimidade: Lições de Tishá Be Av
01 ago 25

Unidade ou Unanimidade: Lições de Tishá Be Av

Por David Diesendruck, cofundador e diretor do Instituto Brasil-Israel

Neste próximo sábado à noite, inicia-se pelo calendário judaico o jejum de 9 de Av. A data, considerada a mais triste do ano, marca a destruição dos dois Templos de Jerusalém, além de outros episódios trágicos da história judaica, como a expulsão da Inglaterra (1290), da Espanha (1492) e, mais recentemente, o início da Primeira Guerra Mundial (1914), que acabaria por culminar na Shoá.

O que mais aprecio em nosso calendário é sua capacidade de nos oferecer pausas para reflexão. Trazer à tona as histórias do passado, seus rituais e significados, e ressignificá-los à luz dos desafios do presente é um dos maiores ensinamentos do ciclo judaico.

Vivemos dias difíceis para o povo judeu em Israel e na diáspora. O 7 de outubro de 2023 será lembrado como uma das datas mais dolorosas de nossa história recente. Sentimentos de angústia, frustração, medo e raiva estão por toda parte nas conversas entre amigos, nas redes sociais, nos espaços comunitários. É quase impossível atravessar esse tempo sem ser afetado.

Em meio a esse cenário, li recentemente um artigo* do professor Steven Windmueller **, Ph.D., professor emérito do Hebrew Union College em Los Angeles. Compartilho aqui uma adaptação livre, com o intuito de ampliar o debate neste Tishá Be Av. Mantenho sua essência e propósito reflexivo, sem qualquer pretensão de autoria.

A guinada política de Israel para a direita nos últimos anos tem exposto uma fratura profunda, especialmente para judeus da diáspora. Israel sempre foi mais do que um Estado: representava um ideal um refúgio democrático baseado em valores éticos judaicos. Mas essa imagem tem sido abalada por políticas vistas como cada vez mais iliberais, desconectadas desse ideal.

Questões como a expansão dos assentamentos, o futuro incerto da Cisjordânia e de Gaza, e as tentativas de enfraquecer o Judiciário israelense fizeram muitos judeus sobretudo os mais jovens e progressistas, questionarem sua relação com Israel. Para alguns, essas ações não são apenas moralmente indefensáveis, mas emocionalmente alienantes, afastando-os do sionismo e da vida comunitária judaica.

Ao mesmo tempo, há um segmento vocal da comunidade judaica que defende Israel de forma incondicional, tratando qualquer crítica como deslealdade ou até antissemitismo.

Essa tensão inibe o debate sincero: os críticos se calam por medo de rejeição; os defensores se sentem cada vez mais acuados. Essa paralisia é devastadora. Comunidades se fragmentam. Instituições hesitam em se posicionar. Relações com aliados históricos em especial com movimentos progressistas se desgastam. E a própria identidade judaica se torna motivo de confusão e conflito interno.

Superar essa paralisia exige coragem, escuta e disposição para o desconforto. Significa reconhecer que amor a Israel não é incompatível com crítica construtiva. A tradição judaica sempre valorizou o debate, a pluralidade e o questionamento honesto. O que nos sustenta como povo não é a unanimidade, mas a disposição de caminhar juntos apesar das diferenças.

Talvez o caminho esteja em recuperar a capacidade de escutar. Criar espaços onde judeus com visões distintas possam dialogar com respeito. Que as instituições comunitárias abracem a diversidade real de suas bases. Que reencontremos aliados dispostos a trabalhar conosco por valores comuns em Israel, no Brasil, no mundo.

Como engajar e reafirmar nosso compromisso com a democracia, a dignidade humana e a justiça? Esses valores não são periféricos: estão no centro do judaísmo que queremos viver e transmitir.

E qual seria o aprendizado histórico desta data?

Na resposta de outras perguntas:

Por que o Segundo Templo foi destruído? E por que o segundo exílio foi tão mais longo e doloroso que o primeiro?

O Talmud responde: durante a época do Segundo Templo, embora os judeus fossem observantes, eles se odiavam entre si. Estudavam a Torá corretamente, praticavam caridade, mas nutriam rancores, difamavam, e se alegravam com a desgraça alheia.

Nossos Sábios concluem que o ódio gratuito “sinat chinam” entre judeus é mais destrutivo que as transgressões da Torá ou até mesmo os pecados mais graves. O exílio prolongado é um reflexo dessa falha moral coletiva.

Unidade não significa pensar igual. Significa reconhecer que pertencemos uns aos outros, mesmo nas divergências. Quando judeus odeiam judeus quando rejeitam, atacam ou ignoram uns aos outros causam mais dano ao povo judeu do que qualquer inimigo externo poderia causar.

Tishá Be Av nos convoca a lembrar disso. E talvez, em tempos de tanta dor e divisão, esse chamado milenar soe mais atual do que nunca. Não para silenciar as diferenças, mas para restaurar o vínculo, o respeito e o senso de responsabilidade mútua.

Que essa data, que marca perdas tão profundas, também seja um ponto de partida para a reconstrução. Não só de um templo, mas de um espírito coletivo que saiba sustentar, com dignidade e compaixão, a pluralidade do nosso povo.

*https://blogs.timesofisrael.com/the-crisis-responding-to-trump-era-politics-and-israeli-actions/  

**Steven Windmueller estará em SP em agosto a convite da Nahum Goldmann Fellowship

A imagem utilizada nesta publicação foi gerada a partir de inteligência artificial

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