De ‘ervas daninhas’ a milícia: A ascensão do terror judaico nos territórios
02 jul 25

De ‘ervas daninhas’ a milícia: A ascensão do terror judaico nos territórios

Revital Poleg

Revital Poleg

Nos últimos dias, quase todas as noites temos assistido a um mesmo cenário: extremistas judeus se reúnem em diferentes pontos da Cisjordânia, realizam pogroms em vilarejos palestinos e/ou atacam as forças de segurança israelenses. Após dias particularmente tensos, que incluíram o ataque a soldados da reserva perto de Ramallah, depredações em casas e propriedades em uma localidade palestina próxima, tentativa de invasão a uma base militar e incêndio criminoso em uma instalação de segurança, forma-se, dentro do sistema de defesa, um quadro preocupante sobre a atuação desses grupos violentos no território. Nos últimos dias, a polícia prendeu alguns suspeitos de promover distúrbios na região da Samaria, e a investigação segue em curso com a colaboração do serviço de inteligência interno, o Shin Bet ou Shabak.  

Costuma-se chamá-los de “Jovens das Colinas” – uma alcunha quase romântica, que evoca a imagem pastoril de adolescentes amantes da natureza e da liberdade, pastoreando pelas colinas da Terra de Israel. Na realidade, trata-se de grupos extremistas e violentos, compostos, em parte, por jovens em situação de risco, que abandonaram estruturas de vida normativas, ou por delinquentes que cresceram em ambientes marcados pela violência. Outros são filhos da segunda geração de colonos, movidos por uma ideologia messiânica que busca povoar cada centímetro da Terra de Israel bíblica.

“São apenas ervas daninhas”, alegam há anos os membros do núcleo duro dos colonos – como se se tratasse de um fenômeno marginal, uma travessura juvenil perdoável. No entanto, na prática, trata-se de uma tendência que se ampliou ao longo do tempo, adotando métodos progressivamente mais violentos e ampliando seu campo de ação. O fenômeno atingiu níveis inéditos, especialmente sob o governo da extrema-direita liderado por Benjamin Netanyahu, até transformar-se, de fato, em uma milícia violenta, que comete crimes de ódio contra palestinos, confronta as forças de segurança israelenses e representa uma ameaça concreta à segurança nacional.

Trata-se de um fenômeno gravíssimo, que exige uma resposta clara, firme e abrangente por parte das instâncias mais altas do sistema de aplicação da lei. No entanto, esse sistema – e não por acaso – prefere desviar o olhar. Quando muito, limita-se a condenações fracas, num gesto de conivência consciente, simplesmente porque a realidade no terreno serve à ideologia fanática de parte dos atores políticos que hoje integram o governo.

É preciso chamar as coisas pelos nomes: trata-se de terrorismo judaico – organizado, violento, desafiador e em expansão – direcionado há tempos contra civis palestinos na Cisjordânia, com violência crescente, e de forma cada vez mais grave também contra as próprias forças de segurança israelenses. Essa frente, aparentemente interna, já não constitui uma mera linha ideológica tênue entre a extrema-direita e o Estado democrático. Diante dos nossos olhos, transformou-se em uma frente operacional concreta, em um contexto em que Israel enfrenta múltiplas frentes inimigas externas – incluindo a do terrorismo palestino dentro da própria Cisjordânia.

O paradoxo salta aos olhos: o combate ao terrorismo – todo ele, sem exceção – é um imperativo estratégico de primeira ordem. Frente à intensa ameaça representada pelo terrorismo palestino na Cisjordânia, liderado pelo Hamas e pela Jihad Islâmica, que as Forças de Defesa de Israel combatem com todos os meios disponíveis, cresce, em paralelo, um terrorismo de judeus, armado por uma ideologia extremista e legitimado pela inação consciente por parte do governo, que transforma a própria lei em inimiga e volta as forças de segurança contra si mesmas.

Em geral, os membros do governo preferem o silêncio quando se trata de violência contra palestinos. E mesmo nos raros casos em que se ouvem condenações, estas não se convertem em mudanças reais de política. Um exemplo claro foi o pogrom no vilarejo palestino de Jat, na Cisjordânia, em agosto de 2024, que resultou inclusive na morte de um morador. De forma incomum, Netanyahu prometeu que os responsáveis seriam levados à justiça. Quase um ano se passou e nenhuma acusação formal foi apresentada.

Paralelamente, foi suspenso o uso da prisão administrativa contra colonos, ferramenta que era central na contenção de ações violentas. A decisão foi tomada em novembro passado, pouco após o atual ministro da Defesa, Israel Katz, assumir o cargo. Ele decidiu encerrar completamente a emissão dessas ordens. Como resultado, três colonos detidos por envolvimento nos distúrbios em Jat foram libertados.

O ministro Ben Gvir correu para parabenizar o colega por esse “grande passo” – nas suas próprias palavras. Desde então, temos testemunhado apenas o aumento da violência de colonos judeus na Cisjordânia. É o mesmo ministro da Segurança Nacional que utiliza a polícia como instrumento a seu serviço pessoal e exige que os comandantes “se alinhem com o espírito do ministro responsável”. Isso leva à erosão da autonomia profissional, ao esvaziamento da imparcialidade, da moderação e do controle da força – culminando em uma aplicação seletiva da lei sem precedentes.

Recentemente, aconteceram episódios de violência extrema por parte desses colonos judeus contra as forças de defesa israelenses perto de Ramallah. Nesses ataques, um comandante de batalhão e seus soldados foram vítimas ao tentar impedir um atentado de “Jovens das Colinas” contra moradores palestinos. Essas ações representam uma clara violação da linha vermelha no que diz respeito à agressão contra as forças de segurança.

Não surpreende que tanto o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich (que também atua no Ministério da Defesa, responsável pela Direção de Assentamentos), quanto o próprio Ben Gvir tenham optado por criticar justamente a atuação das forças de segurança contra os extremistas judeus. Smotrich chegou a inverter a narrativa, afirmando que quem cruzou a linha vermelha foi, na verdade, o próprio Exército.

Referindo-se a esses distúrbios, Netanyahu declarou: “Nenhum Estado de Direito pode tolerar atos violentos e anarquistas, como a queima de uma instalação militar, a destruição de bens do Exército e a agressão contra agentes de segurança por cidadãos do próprio país”.

Segundo ele, “quem age assim mina o Estado de Direito e prejudica o país”. Ele pediu às autoridades que investiguem os acontecimentos com celeridade e punam com rigor os responsáveis. Destacou ainda que “o público dos colonos representa um modelo de desenvolvimento nacional, de serviço significativo no Exército e de contribuição à formação de estudiosos da Torá”. E concluiu: “Não permitiremos que um pequeno grupo violento e lunático manche toda uma comunidade”.

Pequeno grupo? Será mesmo?

O quadro é ainda mais sombrio: à medida que esse terrorismo se expande, ele ultrapassa os limites da Cisjordânia e avança sobre o território israelense. Assim, por exemplo, ao longo dos últimos dois anos, ocorreram diversos episódios em que ativistas e manifestantes da extrema-direita praticaram violência política – sem que nenhum deles fosse preso.

Entre os exemplos mais emblemáticos: a invasão da base militar de Sde Teiman por manifestantes de direita, em julho de 2024 (com a participação de parlamentares do partido de Ben Gvir!); a quebra de uma janela do Supremo Tribunal durante uma manifestação há cerca de um mês; e o tumulto na sinagoga reformista de Ra’anana, em abril passado, durante uma cerimônia conjunta de luto entre israelenses e palestinos.

Talvez tenha chegado a hora de reconhecer uma verdade incômoda, porém evidente: o maior desafio que Israel enfrenta hoje na Cisjordânia não é apenas de segurança – é, antes de tudo, moral e ético (sem minimizar, em absoluto, a gravidade do terrorismo palestino contra nós). Esse desafio exige não apenas medidas repressivas, mas também uma profunda mudança de rumo na política.

Em tempos em que se fala em transformar o Oriente Médio e abrir novas possibilidades para a região – possibilidades que, antes de tudo, precisam começar pela libertação de todos os reféns e pelo fim da guerra em Gaza – é preciso lembrar que não haverá um verdadeiro “novo Oriente Médio” sem uma solução clara para o impasse da ocupação na Cisjordânia e, no mínimo, o início de um diálogo sério sobre uma solução de dois Estados, acompanhado do desmantelamento de todas as formas de terrorismo – de qualquer origem – que ali proliferam.

Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.

(Foto: WkimediaCommons)

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