
O governo Lula não irá romper relações com Israel
Bruno Campos, pesquisador da USP
Nesta última quinta-feira, 26 de junho, a Câmara dos Deputados realizou uma série de ações que estabeleceram o fim da dita “lua de mel” entre o Congresso Nacional e o governo federal. Entre essas medidas, o Senado acaba de promulgar a lei que estabelece o dia de 12 de abril como o dia de celebração à “Amizade Brasil-Israel”. Para boa parte dos militantes mais à esquerda que demandam que Lula rompesse as relações com Israel, só resta o choque da realidade – a retórica crítica a Israel do Presidente é vazia de conteúdo.
É importante observar que o projeto tem raízes antigas, e com personalidades interessantes envolvidas, para dizer o mínimo.
Originalmente apresentado em 2005 (PL 6104/05), sob autoria do senador Marcelo Crivella, o projeto dispunha o dia a ser celebrado no dia 29 de novembro. Em 2013, o projeto foi vetado em 2013 pela presidente Dilma. No Diário Oficial da União, a Presidência da República comunica que o Ministério das Relações Exteriores vetou o projeto sob as seguintes justificativas:
“A data escolhida para se instituir como o ‘Dia da Celebração da Amizade Brasil-Israel’, 29 de novembro, coincide com o ‘Dia Internacional de Solidariedade com o Povo da Palestina’ (…)” (DOU 21/06/2013, pg. 20).
Após o veto, em junho de 2013, o chanceler do governo Dilma, Antonio Patriota, reformula o PL e reenvia novamente a Câmara dos Deputados, com a alteração de celebrá-lo em 12 de abril, data do reconhecimento das relações Brasil-Israel. No documento de apresentação do novo projeto (PL 5815/2013), o chanceler destaca:
“Considera-se de grande mérito o estabelecimento do Dia da Celebração da Amizade Brasil-Israel. O Brasil mantém uma importante e sólida relação bilateral com o Estado de Israel, que data de fevereiro de 1949, poucos meses após a declaração de independência daquele país”
O projeto, por tanto criticado por setores do PT e do governo atual, é fruto direto da versão reformulada e endossada pelo governo petista em 2013, mesmo ano do veto ao projeto anterior. O projeto tramitou por mais de uma década, passando por todas as comissões relevantes, e com pareceres favoráveis, incluindo de relatores petistas. Em 2019, a então presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a deputada bolsonarista Bia Kicis, aprovou sem obstrução da oposição o referido PL, e foi finalmente aprovado pelo Senado em 2025 e enviado para análise presidencial. O presidente Lula teve 15 dias para sancionar ou vetar, mas manteve o silêncio até o encerramento do prazo nesta última segunda-feira; o que levou a sanção a ser feita pelo próprio presidente do Senado, Davi Alcolumbre, no último dia 26:
“Como o primeiro presidente judeu do Senado Federal e do Congresso Nacional, com senso de dever constitucional, e profunda e imensa honra, registro a promulgação desta lei, como expressão da nossa história comum, do respeito a diversidade, e do desejo sincero do meu coração, de cultivar amizades que contribuam para o mundo mais sólido, mais fraterno, mais solidário, e mais plural”. – Davi Alcolumbre, na promulgação do PL
A sanção da agora Lei Ordinária 15.152/2025 não representa uma guinada ideológica, mas evidencia o silêncio político e a hesitação do governo federal em transformar convicções retóricas em decisões políticas. O mesmo Itamaraty que propôs a lei sob Dilma, antes mesmo da crise diplomática provocada pelo episódio do “anão diplomático”, conduziu o projeto sem controvérsias à época.
Se o governo Lula estivesse comprometido com a continuidade institucional, teria sancionado a lei de forma direta. Se estivesse comprometido com sua base mais crítica e a retórica recente do próprio Presidente, teria vetado o projeto, mesmo que simbolicamente. O silêncio conduz para um engajamento vazio, um condução fraca que estabelece uma postura retórica incapaz de trazer movimentos simbólicos para suas convicções acerca da política externa. Uma política externa discursivamente ativa, mas praticamente inerte e sonolenta.
Isso sem mencionar outros dois casos: primeiro, os acordos entre Brasil e Israel assinados pelo governo Bolsonaro, e que foram ratificados pelo Congresso nos últimos dois anos – sem qualquer posição do governo, ou obstruções de sua base. E segundo, o atual silêncio do Itamaraty para a nomeação do embaixador em Israel – similar a postura do governo Dilma em 2015.
Os militantes solidários à causa palestina, principalmente após o brasileiro Thiago Ávila ter sido detido por Israel há algumas semanas, realizaram campanhas para o governo Lula romper relações diplomáticas com Israel. Contudo, o PT afrouxa as rédeas deste grupo por conveniência. Mesmo insatisfeitos, esses eleitores são vistos como sem alternativas reais, e provavelmente voltarão a apoiá-lo em um eventual segundo turno em 2026.
Ademais, apesar da direção do partido manter sua posição de defesa da solução de dois Estados, alas mais tradicionais do PT caminham ao lado de coletivos que fazem oposição ao próprio governo Lula, demandando não apenas a quebra das relações, mas celebrando os ataques iranianos a Israel. E, enquanto isso, o movimento evangélico continua forte, quebrando narrativas e defendendo uma defensiva à causa israelense, continuada na atual legislatura, e que vem colhendo frutos importantes para a defesa das operações militares de Israel em Gaza, e, mais recentemente, no Irã.
A impressão que fica é um governo petista que adere a postura pró-Palestina, amplamente defendida por vários representantes do próprio partido, mas que é incapaz de dizer o que faz, nem fazer o que diz. Assim como sua vitória eleitoral em 2022 foi marcada por contradições e alianças de ocasião, a política externa parece andar em círculos de omissões, só aguardando para o ano eleitoral chegar novamente. Na verdade, para o PT, parece que a corrida eleitoral já começou, e estes quatro anos ficam como um breve período de “sobrevivência”.
Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.
(Foto: WkimediaCommons/AgênciaBrasil)
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