Depois do Irã: A equação Trump-Netanyahu e o futuro de Gaza
26 jun 25

Depois do Irã: A equação Trump-Netanyahu e o futuro de Gaza

Revital Poleg

Revital Poleg

A “guerra dos 12 dias” entre Israel, Irã e Estados Unidos chegou ao fim – ou melhor, foi interrompida – com a declaração de cessar-fogo anunciada pelo presidente Donald Trump. As regras desse movimento, que se deu sem qualquer negociação formal ou assinatura de acordo, seguem envoltas em incerteza e podem se revelar frágeis. Já a guerra em Gaza, por sua vez, segue em curso há quase 230 dias, ainda sem perspectiva de encerramento – e também nela, a incerteza continua a prevalecer sobre a clareza.

À primeira vista, tratam-se de dois teatros de conflito distintos, envolvendo atores de características completamente diferentes: de um lado, uma organização terrorista assassina encostada na fronteira Sul israelense; do outro, uma potência regional com capacidades nucleares e de mísseis ameaçadoras, localizada a 1.500km de distância. Na prática, porém, são frentes complementares dentro de uma única campanha regional, iniciada em 7 de outubro e ainda em curso. Israel se encontra no centro desse sangrento teatro – ora como alvo, ora como agente ativo, ora como parceiro em manobras estratégicas com seu aliado mais importante, os Estados Unidos. Por vezes, essa aliança com os norte-americanos faz com que o governo israelense precise atender às imposições de Trump.

Uma oportunidade diplomática de grande magnitude se apresenta agora diante de Israel: traduzir uma conquista militar extraordinária em um avanço político sustentável – um que possa garantir a Israel, e por consequência a todo o Oriente Médio, estabilidade e segurança duradouras.

Será que Israel saberá aproveitar o momento e estabelecer um vínculo entre os êxitos obtidos frente ao Irã e a guerra prolongada em Gaza? Será capaz de encerrar a guerra, trazer de volta todos os reféns e permitir um processo de reconstrução em Gaza, com o apoio de atores regionais e internacionais? Ou preferirá, conscientemente, tratar essas duas frentes como campanhas separadas – e, se assim for, com base em que lógica? E quais serão as consequências?

A cooperação ofensiva integrada entre Israel e os Estados Unidos durante a guerra com o Irã não foi apenas inédita – ela revelou também camadas profundas, em sua maioria não visíveis ao público, que restauraram a glória das relações especiais entre os dois países. Relações que pareciam abaladas, em parte devido à insistência de Trump em promover negociações diretas com o Irã – uma posição que contraria a avaliação israelense de longo prazo sobre a periculosidade do regime iraniano, acompanhada de perto por Israel há anos, diante de seu avanço nuclear e das ameaças constantes que lança contra Israel.

Nada do que conhecíamos sobre os processos organizados, profissionais e estruturados de tomada de decisão da administração americana se aplica quando o protagonista é o presidente Trump. Seu modelo de atuação é o do caos: sem regras claras, marcado por alta volatilidade, influências imprevisíveis e decisões impossíveis de prever. Quando a tudo isso se soma à um componente emocional dominante, o resultado pode ser uma interferência inesperada em processos políticos de enorme relevância.

Ao que tudo indica, Netanyahu e seu confidente Ron Dermer conseguiram navegar dentro desse caos e levar Trump a uma decisão excepcional: aprovar o próprio curso da guerra e autorizar a participação americana nos momentos decisivos – em completa contradição com suas declarações anteriores contra uma opção militar e apesar da oposição política significativa que enfrentava internamente.

Pela primeira vez, o mundo assistiu, surpreso, a uma guerra que uniu uma potência nuclear declarada e um Estado com capacidades nucleares ambíguas contra um país no limiar nuclear, que atua abertamente em desacordo com as diretrizes da Agência Internacional de Energia Atômica.

No plano regional, a guerra alterou o equilíbrio de forças. Ao lado de uma clara demonstração da superioridade militar de Israel, ficou evidente também a fragilidade dos países do Golfo, que temeram seriamente a expansão do conflito para seus próprios territórios. Em termos políticos, o aparente “gesto de grandeza” do Qatar – ao permitir o lançamento de um míssil iraniano a partir de seu território soberano, como parte da resposta do Irã ao ataque americano – não decorreu apenas de considerações diplomáticas ou do desejo de angariar ganhos junto aos EUA, mas sobretudo do receio de um ataque muito mais devastador, que poderia lhe causar danos consideravelmente maiores.

Os acontecimentos recentes criam uma nova sensação de urgência no Oriente Médio – e com ela, uma oportunidade para arquiteturas regionais e globais emergentes. Para onde tudo isso está caminhando?

Tanto os Estados Unidos quanto países europeus – que hoje parecem seguir Trump, evitando formular uma política própria – falam agora sobre a possibilidade de um “acordo” com o Irã. Mas seu significado, formato e conteúdo permanecem obscuros. Israel espera que, caso o acordo realmente se concretize, ele inclua um mecanismo de fiscalização em relação a Teerã (nos moldes do existente no Líbano com o Hezbollah), mas a chance de os EUA permitirem incursões aéreas israelenses em solo iraniano é mínima.

Por outro lado, o regime iraniano é muito mais sofisticado do que Trump parece compreender – e não esquecerá tão cedo a humilhação sofrida pelas mãos dos americanos. Até mesmo a declaração do porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Irã (em 25/06), segundo a qual suas instalações nucleares “foram gravemente atingidas” pelos bombardeios americanos, deve ser lida sob essa ótica: uma tentativa de dizer aos Estados Unidos o que eles querem ouvir – talvez para “adormecer o urso” e, em seguida, ludibriá-lo.

Mas o que Israel precisa levar em conta é que qualquer arquitetura regional que venha a se consolidar – baseada, ao que tudo indica, na ampliação dos Acordos de Abraão – não poderá acontecer sem a inclusão dos palestinos, tanto na Cisjordânia quanto em Gaza. E assim, mais uma vez, somos trazidos de volta ao pântano local.

À medida que a população israelense compreendeu a necessidade de eliminar a ameaça iraniana concreta, apoiou a ação militar quando esta foi iniciada, e até sentiu orgulho diante das operações do Mossad e da força aérea israelense. Mas cresce agora a percepção de que a guerra em Gaza há muito deixou de fazer sentido: mais do que ajudar, ela prejudica. Ela não contribui para a libertação dos reféns, coloca em risco a vida dos nossos soldados e causa danos irreversíveis a Gaza e aos seus habitantes – tudo isso sem uma estratégia de saída, sem visão para o “dia seguinte”.

A situação na Cisjordânia não é menos grave. Ainda que nem tudo dependa de Israel, e o próprio Hamas dificulte as negociações, é um interesse estratégico claro pôr fim a esse ciclo – especialmente neste momento, antes que todo o efeito de ondulação dos êxitos contra o Irã se dissipe.

Mas, diferentemente da frente iraniana – onde a atuação israelense se mostrou eficaz –, em Gaza os movimentos de Netanyahu estão visivelmente moldados por interesses políticos internos e por um temor real do colapso do seu governo, caso ele deixe de atender às expectativas – ou melhor, às exigências – de seus parceiros da extrema direita, que pedem abertamente a retomada dos assentamentos e a reinstauração do controle israelense sobre Gaza.

É possível, portanto, que também neste caso a decisão final venha de Trump, cujo círculo próximo já lidera as negociações pela libertação dos reféns com o Hamas, mas sem que haja, até agora, qualquer avanço significativo. Inflado pelos resultados alcançados frente ao Irã, país que representa um dos desafios estratégicos mais antigos e não resolvidos dos EUA desde a crise dos reféns de 1979, e movido por seu desejo declarado de entrar para a história como o grande artífice da paz onde todos falharam, Trump já começa a desenhar o plano por conta própria.

Num movimento raramente visto nas relações internacionais, Trump não apenas arrasta Netanyahu para dentro do jogo, mas intervém de forma explícita nos assuntos internos de Israel – exigindo, sem rodeios, o cancelamento imediato do julgamento do primeiro-ministro. O que seguramente foi pré-coordenado com Netanyahu. Tudo isso em uma linguagem que enaltece a figura de Netanyahu quase como um “salvador” messiânico – exatamente o tom que mais mobiliza sua base política.

Quando alguém toma as rédeas das suas mãos, isso pode até aliviar a pressão política interna, mas também pode se revelar, no futuro, como uma solução de custos dolorosos. Por mais desconfortável que seja, e dado que haverá um preço a pagar de qualquer forma, que ao menos ele venha de uma solução – e não de uma derrota. Quem sabe, desse fel, possa nascer algo doce.

Para onde tudo isso nos levará? Fiquem atentos ao próximo capítulo da novela das nossas vidas – tão necessária quanto inquietante, pela forma como está se desenrolando.

Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.

(Foto: WkimediaCommons/U.S EmbassyTelAviv)

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