
Israel em guerra com o Irã: frentes imediatas e reflexos geopolíticos regionais
Revital PolegRevital Poleg
Já se passou mais de uma semana desde o ataque surpresa de Israel ao Irã. Mas esse período, por vezes, parece um único dia longo, tenso e interminável – e, por outras, parece que se passaram quase dois anos.
Quem ainda se lembra de como eram os dias antes de aprendermos a diferenciar entre “alerta” (prepare-se para o alarme!) e “alarme” (corra imediatamente para o abrigo)? Quem ainda fala de Greta Thunberg ou da flotilha “Madeline”, que partiu rumo à Faixa de Gaza e terminou em Ashdod? Ou da ameaça dos partidos ultraortodoxos de derrubar o governo por causa da Lei do Alistamento?
A guerra contra o Irã recebeu, desde o início, um nome próprio: “Am Kalavi” (Leão em Ascensão) – um movimento que sinaliza intencionalmente a separação entre o fracasso do dia 7 de outubro e a guerra que ainda prossegue em Gaza, bem aqui, do outro lado da cerca que contorna a Faixa – e a operação militar cuidadosamente planejada, que já registra conquistas expressivas das forças de segurança, especialmente da Força Aérea e do Mossad, e que ocorre a 1.500 quilômetros de distância, a apenas duas horas de voo.
Ainda que se trate de uma operação essencial para neutralizar a ameaça concreta representada pelo Irã, não se pode ignorar que, paralelamente a essas conquistas (e talvez justamente por causa delas…), o conflito em Gaza – no qual, apenas nas duas últimas semanas, 10 soldados israelenses foram mortos e 50 sequestrados continuam em cativeiro do Hamas – foi empurrado para as margens da agenda política.
Para compreender o quadro completo, é preciso lembrar: já se passaram cerca de 626 dias desde o início da guerra de 7 de outubro – e o fim, assim como sua configuração final, ainda não estão à vista. Mais uma vez, a sociedade civil israelense demonstra sua resiliência e capacidade de adaptação diante de desafios imprevisíveis. A escalada com o Irã, por mais difícil que possa parecer para o público, é apenas mais um capítulo dessa realidade.
Num cenário que muda a uma velocidade vertiginosa, é fácil perder a noção de contexto e de rumo. Vale, então, observar com atenção o que está acontecendo ao nosso redor — no círculo imediato, nas fronteiras e frentes que cercam Israel — e como a guerra atual as afeta, assim como o impacto que esses desdobramentos podem exercer, direta ou indiretamente, sobre Israel.
Gaza e Cisjordânia
Pela primeira vez desde 7 de outubro, Gaza deixou de ser o centro da atenção principal em Israel. O foco deslocou-se para o Irã, e a guerra ali acabou por empurrar Gaza para as margens do debate político e midiático. Mas a realidade em Gaza está longe de um desfecho: apesar de insinuações recentes de aparentes avanços nas negociações silenciosas entre Israel e o Hamas sobre um acordo de reféns e cessar-fogo – e da afirmação do primeiro-ministro de que ele “vê uma abertura” para o progresso – nenhuma delegação israelense seguiu para Doha desde o início da guerra com o Irã. E, mais do que isso, há um temor crescente de que o confronto com Teerã atrapalhe qualquer avanço nas negociações. A sensação dominante entre o público, especialmente entre as famílias dos sequestrados, é de que tudo não passa de palavras vazias… Tomara que estejamos errados.
E mais: quase não se fala mais sobre a situação humanitária em Gaza nem sobre uma possível solução política para o ‘dia seguinte’ – parecem ter simplesmente sumido da agenda.
Nesse vácuo, dois processos paralelos se desenvolvem na Cisjordânia. De um lado, o Irã, que vê a região como seu “último proxy”, tem intensificado esforços para inflamar o território. O serviço de segurança interna (Shabak) revelou, nos últimos dias, dezenas de tentativas de recrutamento de agentes locais, contrabando de armas e infiltração de militantes pela fronteira oriental, com o objetivo de ativar células terroristas adormecidas e promover atentados no coração das cidades israelenses. Como resposta, houve um certo reforço na coordenação de segurança entre Israel e a Autoridade Palestina, que busca reafirmar sua autoridade nas áreas sob seu controle.
Por outro lado, o governo israelense tem avançado com uma política unilateral e cada vez mais radical: construção de novos postos e ampliação de assentamentos, movimentos que alteram o equilíbrio demográfico e geográfico e afastam ainda mais qualquer perspectiva realista de um futuro acordo político.
Jordânia
Desde o início do confronto entre Israel e Irã, a posição oficial da Jordânia tem sido de forte condenação ao ataque israelense ao Irã e de apelo por cessar-fogo imediato. O rei Abdullah enfatizou que o uso da força militar viola o direito internacional e representa uma ameaça à estabilidade regional e global. Mas além da posição ética, a Jordânia está sendo diretamente afetada pela escalada: vários drones iranianos caíram em seu território nos últimos dias, alarmes são acionados constantemente após cada lançamento rumo a Israel, e já há feridos. Ao contrário de Israel, os civis não dispõem de abrigos reforçados, o que gera tensão entre a população.
Apesar disso, quase não há protestos contra Israel. Em parte, isso acontece devido ao sentimento generalizado de hostilidade em relação ao Irã e ao fato de que o regime hachemita suprimiu previamente infraestruturas potenciais de contestação, como a Irmandade Muçulmana.
Líbano e Hezbollah
O temor de que o Hezbollah se unisse imediatamente à guerra após a ofensiva israelense contra o Irã — como ocorreu no dia seguinte ao massacre de 7 de outubro — não se concretizou. Já nas primeiras horas após o ataque, o grupo divulgou uma declaração oficial anunciando que não participaria do confronto. Foi um posicionamento incomum e estratégico, que sinaliza uma clara hesitação em ampliar o conflito e, ao mesmo tempo, uma tentativa de manter sua posição interna em um Líbano politicamente frágil, onde crescem os apelos pelo desarmamento da organização.
A decisão é resultado de múltiplos fatores: o desgaste acumulado nos combates anteriores com Israel, o efeito contínuo da dissuasão militar israelense, pressões domésticas intensas e, sobretudo, a ausência de uma ordem explícita de Teerã. Líderes do Hezbollah afirmam que o apoio ao Irã permanece “político e popular”, mas evitam qualquer comprometimento militar. Já a liderança oficial libanesa, por sua vez, deixou claro que não permitirá que o país seja arrastado para um novo confronto.
Síria
Damasco foi a única capital árabe que não condenou os bombardeios israelenses contra o Irã, uma posição incomum que sinaliza uma mudança estratégica na visão do regime sírio. A nova liderança do país enxerga o enfraquecimento do Irã – e também do Hezbollah – como uma evolução positiva. Isso se deve não apenas à antiga oposição à presença iraniana no país desde os tempos da revolta, mas também à nova orientação política que busca desvincular a Síria do eixo iraniano e inseri-la numa coalizão regional liderada pelos Estados Unidos, junto com Turquia, Arábia Saudita e Catar.
Nesse contexto, já são visíveis tentativas do regime sírio de se aproximar de Israel, como gesto de boa vontade frente ao Ocidente e em busca de reconhecimento internacional. Entre as medidas práticas adotadas estão: maior controle sobre atores palestinos que operam a partir da Síria, e reforço na vigilância da fronteira com o Líbano – onde diversos carregamentos de armas destinados ao Hezbollah foram interceptados.
Egito
A escalada entre Israel e Irã coloca o Egito diante de dois grandes desafios, um econômico e outro político. Num contexto econômico já fragilizado, aumentam os temores de novos choques no mercado financeiro local e de uma nova alta nos preços do petróleo e do gás, caso o conflito regional se intensifique. Esses impactos já estão sendo sentidos: a libra egípcia voltou a se desvalorizar, a inflação disparou e o custo de vida se elevou — um cenário que aumenta o risco de protestos internos contra o regime.
No campo político, o governo enfrenta uma crescente onda de indignação popular contra Israel — alimentada pela escalada regional, pelas imagens vindas de Gaza e pelas vítimas civis. Essa pressão aumenta à medida que o conflito se prolonga, exigindo do Cairo uma postura mais firme. Ainda assim, o presidente Al-Sisi mantém uma linha cautelosa, sinalizando seu descontentamento por meio de canais diplomáticos e regionais — sem comprometer a aliança estratégica com Israel e os Estados Unidos.
Enquanto isso, Israel continua liderando a ofensiva contra o Irã, mantendo-se em alerta nas demais frentes. Os desdobramentos dos próximos dias – entre Jerusalém, Teerã e Washington – poderão não apenas moldar o rumo do conflito atual, mas também redefinir o futuro do Oriente Médio nos próximos anos.
Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.
(Foto: WikimediaCommons/IDF)
Artigos Relacionados
Tel Aviv, a cidade mais cara do mundo: o preço do sucesso econômico de Israel
3 de dezembro de 2021
Por Daniela Kresch


Carta aberta em prol da sensatez e da mesura
6 de novembro de 2023
Quem lê as opiniões e análises sobre a guerra entre Israel e o Hamas publicadas nos últimos dias (algumas delas com vontade de ser análises, mas aberta e simplesmente opiniões já lidas milhares de vezes cada vez que o frágil equilíbrio entre israelenses e palestinos se quebra) tem a impressão de estar assistindo a uma […]


Sessão de verão na Knesset: Testando os limites da democracia israelense
5 de maio de 2025
Revital Poleg Com a abertura da sessão de verão da Knesset nesta segunda-feira, 5 de maio, parece pairar uma nuvem pesada sobre o Parlamento israelense. Não se trata apenas das tensões habituais da coalizão ou de disputas políticas internas, mas sim de uma ameaça profunda e essencial ao próprio caráter democrático do Estado de Israel. […]
