Síria e Israel: Uma perspectiva estratégica sobre uma realidade em formação
17 mar 25

Síria e Israel: Uma perspectiva estratégica sobre uma realidade em formação

Revital Poleg

Revital Poleg

Foi impossível não se horrorizar com os recentes acontecimentos internos na Síria e não refletir com preocupação sobre os rumos que esses eventos podem tomar. O que começou em 6 de março como uma tentativa de revolta de rebeldes alauítas nas províncias costeiras de Latakia e Tartus — centros populacionais da comunidade alauíta, anteriormente considerados bastiões do presidente deposto Bashar al-Assad — rapidamente se transformou, devido à resposta do novo regime sírio, em um massacre. De acordo com o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, mais de 1.300 pessoas perderam a vida nos confrontos — homens, mulheres, crianças e idosos, sendo que 400 deles eram oficiais e soldados do novo Exército Sírio.

Após a queda de Assad, o novo regime prometeu respeitar todas as comunidades e grupos étnicos no país. No entanto, após três meses de relativa calma, o novo regime enfrenta agora, pela primeira vez, um desafio significativo que abalou a comunidade internacional e levantou sérias preocupações sobre o rumo que a nova Síria está tomando sob a liderança de al-Julani. Esses desdobramentos representam um revés significativo para um líder que busca projetar uma imagem moderada e tolerante.

Como um gesto de boa fé, o presidente anunciou, ao término do que a Síria chamou de ‘operação militar contra os remanescentes do antigo regime’, a criação imediata de uma comissão nacional de inquérito para punir todos os responsáveis pelos atos que chocaram o mundo, afirmando que ‘esses atos comprometem nossa unidade; somos um Estado de direito’. A responsabilidade de provar suas intenções e executá-las recai, obviamente, sobre ele. Além disso, ele apontou o dedo para o Irã e o Hezbollah, aliados de Assad e inimigos jurados dos grupos rebeldes sunitas, acusando ‘elementos subversivos’ de prejudicarem as forças armadas e matarem civis.

Desde o ataque surpresa dos rebeldes sírios que levou à queda do regime de Assad em 8 de dezembro de 2024 e à tomada de poder por Ahmad al-Sharaa (conhecido como al-Julani) — líder jihadista sunita e ex-comandante do grupo extremista Hay’at Tahrir al-Sham (HTS) — a Síria está em um processo de redefinição e reestruturação de seu governo. O caminho que esse novo governo escolher impactará profundamente a natureza da fronteira entre Síria e Israel e moldará as relações entre os dois países vizinhos.

Ainda não está claro qual rumo esse novo governo tomará e quais são as intenções de seu líder. Ele pretende construir um Estado moderno e funcional em cooperação com o Ocidente (seguindo o modelo turco)? Ou busca estabelecer um regime islâmico extremista sob a lei da Sharia — semelhante ao Afeganistão governado pelo Talibã? Ou, talvez, a Síria evolua para um cenário de fragmentação e instabilidade interna contínua, com conflitos prolongados entre seus diversos grupos, como o que ocorre no Iraque? Ou será que existe também a possibilidade do surgimento de um novo modelo, ainda indefinido?

A questão é complexa. Não se trata apenas de uma mudança de regime, mas também de uma transformação ideológica e de orientação. O novo governo rompeu com a influência iraniana e com o domínio da minoria alauíta-xiita, configurando-se agora como um regime sunita com uma orientação islâmica, ainda que não necessariamente jihadista — se levarmos ao pé da letra as declarações de seus líderes e não as interpretarmos como parte de um jogo político em busca de legitimidade internacional. 

O que isso significa para Israel e sua política em relação à Síria permanece uma questão em aberto.

Historicamente, a Síria foi um epicentro de tensões regionais e internacionais, o que levou o jornalista britânico-judeu Patrick Seale, biógrafo de Assad pai, a descrever a história da Síria como marcada por um “conflito contínuo”. Seale argumentava que, para controlar o Oriente Médio, era essencial dominar a Síria, devido à sua importância geoestratégica. Embora essa tese nem sempre tenha resistido ao teste do tempo, a Síria continua sendo um palco central no confronto de interesses globais e regionais.

Com a queda do regime de Assad e a subsequente perda de influência do Irã e do Hezbollah na Síria, a disputa por influência sobre o país foi reaberta. Turquia e Catar, de um lado, e Arábia Saudita, do outro, competem por domínio, enquanto Rússia e Estados Unidos ainda buscam definir seu papel na região.

À primeira vista, parece que Israel se beneficiou das mudanças na Síria, já que o novo regime não representa uma ameaça direta e imediata. Al-Sharaa afirmou várias vezes que não busca conflito com Israel, focando seus esforços na reconstrução política e econômica do país. Suas declarações, agradáveis ao Ocidente, alimentam esperanças de mudança. Mas, será que isso também se aplica às relações com Israel? Esperemos que sim.

Ainda assim, a realidade é mais complexa. A desconfiança e a cautela de Israel em relação a al-Sharaa são compreensíveis. Enquanto o regime anterior foi eliminado, o novo governo ainda não conseguiu estabelecer uma estrutura estatal consolidada, criando um ambiente de incerteza que pode gerar desenvolvimentos indesejados. A posição oficial de Israel considera o massacre dos alauítas um sinal preocupante de ameaças emergentes que exigem uma preparação antecipada por parte do sistema de segurança. Essa abordagem é, em parte, reflexo das lições dolorosas de 7 de outubro e da cautela extrema que Israel vem adotando desde então.

No entanto, cabe questionar se a postura assertiva adotada por Israel e a retórica vocal em relação a al-Sharaa — expressa pelo primeiro-ministro, pelo ministro da Defesa e até pelo novo chefe do Estado-Maior — são, de fato, a estratégia mais adequada. Por exemplo, as declarações do ministro Israel Katz, da Defesa, sobre a presença das Forças de Defesa de Israel no Monte Hermon sírio, que ele descreveu como “longa e sem prazo definido”, ou sua afirmação de que “o local onde estão os soldados das FDI fica a cerca de 30 km de Damasco — alcance de tiro da artilharia israelense” levantam questões. Resta esperar que essa retórica contundente não crie uma nova armadilha conceitual para Israel, mas sim que permita espaço para reflexão crítica e questionamentos, mantendo, ao mesmo tempo, todas as precauções necessárias. Tudo isso deve ser feito em paralelo com uma análise atenta das possíveis oportunidades para o desenvolvimento de relações de vizinhança mais positivas.

Enquanto ainda se especula sobre os rumos futuros, um evento recente sugere uma possível abertura: em 14 de março, cerca de cem líderes religiosos drusos da Síria chegaram a Israel para uma visita histórica de um dia, liderada pelo líder da comunidade drusa israelense, o xeque Mowafaq Tarif. Pela primeira vez em 51 anos, três ônibus cruzaram a fronteira sírio-israelense, trazendo uma comitiva emocionada. Durante a visita, eles se reuniram com seus colegas e parentes drusos israelenses, subiram ao túmulo do xeque Amin Tarif — líder espiritual e premiado com o Prêmio Israel — e realizaram orações em conjunto. Esta visita, autorizada pelo novo regime, é particularmente significativa, considerando que o regime de Assad, derrubado há cerca de três meses e meio, proibia qualquer contato com os drusos em Israel.

Seria essa visita um prenúncio de melhores relações? Ainda é cedo para afirmar, mas talvez represente um passo inicial no caminho para a construção de confiança, com esperanças de que possa inaugurar um novo capítulo de diálogo e cooperação.

Esse texto não reflete necessariamente a opinião do Instituto Brasil-Israel.

(Foto: WikimediaCommons/IsraelPM)

Artigos Relacionados

Uma cronologia das manifestações em Israel
Uma cronologia das manifestações em Israel

Calendar icon 3 de maio de 2023

Daniela Kresch TEL AVIV – Desde o começo de 2023, Israel se tornou um grande palco de protestos. Há quatro meses, centenas de milhares de israelenses vão às ruas, com bandeiras azuis e brancas, para protestar contra a reforma judicial anti-Suprema Corte que o atual governo Benjamin Netanyahu tentar aprovar. Em média, algo em torno […]

Arrow right icon Leia mais
Israel em alerta máximo: No limite de uma escalada regional
Israel em alerta máximo: No limite de uma escalada regional

Calendar icon 6 de agosto de 2024

Revital Poleg É apenas uma questão de tempo… O Irã prometeu atacar Israel como vingança pela eliminação de Ismail Haniyeh, e pretende cumprir essa promessa. Sim, no momento em que estas palavras são escritas, ainda não aconteceu, talvez esta noite? Talvez em duas noites? Tente imaginar uma situação em que a população de um país […]

Arrow right icon Leia mais
Dia da Lembrança do Holocausto 2024 – Diante dos Eventos de 7 de Outubro
Dia da Lembrança do Holocausto 2024 – Diante dos Eventos de 7 de Outubro

Calendar icon 3 de maio de 2024

Revital Poleg Todos os anos, nos dias seguintes ao Pessach, Israel entra em seu período nacional mais significativo de dez dias, que vai do Dia da Lembrança do Holocausto ao Dia de Memória dos Soldados Caídos e das Vítimas do Terror, culminando no Dia da Independência. Traçando um paralelo com a observação religiosa de “Aseret […]

Arrow right icon Leia mais