Roger Water é antissemita? Até colegas do Pink Floyd acham que sim
29 maio 23

Roger Water é antissemita? Até colegas do Pink Floyd acham que sim

Daniela Kresch

Daniela Kresch

TEL AVIV – Com os cabelos brancos descabelados e olhar esbugalhado, o homem idoso olha diretamente para a tela, com dedo em riste, e diz: “É o que os ladrões de corpos estão fazendo agora, mas, normalmente, eles me chamam apenas de an-tis-se-mi-ta!” A última palavra é gritada lentamente, enquanto os olhos se abrem ainda mais e o dedo aponta para a tela. Os cabelos e olhar enlouquecido pertencem a Roger Waters, 79 anos, o lendário músico e compositor britânico, ex-membro da icônica banda de rock Pink Floyd.

No vídeo, Roger Waters tenta dizer que não é antissemita, acusação que já grudou no músico após tantos exemplos de comportamentos esquisitos. Recentemente, no dia 17 de maio, o cofundador do Pink Floyd vestiu um uniforme de estilo nazista para subir no palco de um show em Berlim. Isso levou a polícia alemã a iniciar uma investigação sobre o músico. Usar sobretudo preto com braçadeiras vermelhas um emblema parecido com uma suástica, mirando uma imitação de metralhadora na plateia não é algo aceitável na Alemanha.

Ele alega que se tratou de uma encenação com iconografia semelhante à do filme “The Wall”, de 1979. Realmente, ele usa esse “uniforme” em shows há anos. Waters diz tratar-se de uma crítica ao fascismo, não uma incitação. Mas as autoridades alemãs não acharam nada engraçado.

Ainda me lembro do impacto que causou em mim o disco “The Wall” quando ouvi pela primeira vez, por volta dos 14 anos. Ainda adoro músicas como “Hey You” e “Comfortably Numb”. Não é à toa que adolescentes se identificam até hoje com a mensagem do “The Wall”: o sistema quer te engolir, você é apenas “mais um tijolo no muro”. Os jovens buscam sua identidade e se sentem oprimidos pela sociedade, que exige tanto deles. Mas, da insegurança adolescentes para teorias conspiratórias e verborragia antissemita parece ter sido um pulo para Waters.

Embora Waters tenha feito contribuições significativas para o mundo da música, suas opiniões sobre Israel e declarações antissemitas geram controvérsia há anos. É verdade que ele é um crítico ativo do que ele imagina serem as políticas do governo israelense em relação aos palestinos. Ele chama a ocupação israelense da Cisjordânia de apartheid, promove o movimento BDS, de boicote a Israel, e faz campanha ativa para nenhum que colega música se apresente em Israel.

Mas a pergunta é: até que ponto uma honrosa busca por direitos humanos cruza a linha do preconceito e da obsessão?

É difícil explicar para alguns a ojeriza que a maioria dos israelenses e muitos judeus da diáspora sentem por Roger Waters. Isso porque ele parece estar do lado certo da História em muitas ocasiões, como quando, em 2018, Waters incluiu o então candidato presidencial brasileiro Jair Bolsonaro em uma lista de “neofascistas” exibida em uma tela grande em seu show em São Paulo. No show do Rio, ele homenageou Marielle Franco e trouxe sua filha, irmã e viúva ao palco.

Mas nem sempre uma pessoa está certa em tudo. Um exemplo: Roger Waters defende veementemente a Rússia na guerra com a Ucrânia. Após a invasão da Ucrânia, ele disse que o presidente dos EUA, Joe Biden, era um “criminoso” que estaria “alimentando o fogo na Ucrânia” e que a Rússia estava apenas respondendo a provocações da OTAN. Imagino que, diante de algumas falas do presidente Lula, tem gente que concorde com ele. Mas não é a maioria.

Às vezes, a obsessão por um tema leva a crenças em teorias conspiratórias e a uma cegueira inexplicável. No caso de Roger Waters, há indícios de que ele se deixou levar pela mais antiga e básica teoria conspiratória: o antissemitismo clássico. Aquele antissemitismo que vê os judeus como uma elite inescrupulosa que controla o mundo como num teatro de marionetes – são os banqueiros gananciosos que controlam o dinheiro, os agiotas, os maldosos. É o antissemitismo dos “Protocolos dos Sábios de Sião”, do partido nazista e de Kanye West.

Aliás, os companheiros de Waters do Pink Floyd também acreditam que ele cruzou o limite do antissemitismo. Polly Samson, esposa de David Gilmour, também membro do Pink Floyd, escreveu, em 6 de fevereiro de 2023: “Infelizmente, você é antissemita em seu núcleo podre. Também um apologista de Putin e um impostor mentiroso, ladrão e hipócrita, sonegador, dublador, misógino, doente de inveja, megalomaníaco. Basta de suas bobagens”. Gilmour compartilhou o tweet de sua esposa e escreveu: “Cada palavra é comprovadamente verdadeira”.

É nesse sentido que listo abaixo alguns indícios do antissemitismo de Roger Waters:

  • Em seus shows, Waters usa um balão em forma de porco com símbolos nazistas, estrelas de Davi e cifrões desenhados. Isso perpetua estereótipos judaicos nocivos por meio de seu uso de imagens e simbolismo.
  • Waters disse que o tratamento israelense aos palestinos é igual ao da Alemanha nazista aos judeus: “Os paralelos com o que aconteceu na década de 1930 na Alemanha são óbvios”. Digo sem hesitação que não se pode comparar um genocídio sistemático de 6 milhões de pessoas inocentes (judeus, ciganos, homossexuais…) a um conflito territorial entre dois povos, terrível como seja – e do qual Israel não está isento de críticas.
  • O músico afirmou que, nos Estados Unidos, “o lobby judeu é extraordinariamente poderoso aqui e particularmente na indústria em que trabalho, a indústria da música”. Ele narrou o documentário “The Occupation of the American Mind: Israel’s Public Relations War in the United States” (2016), sobre os supostos métodos usados por Israel para moldar a opinião pública americana.
  • Em 2020, Waters disse que o assassinato de George Floyd foi realizado com uma técnica desenvolvida pelo exército de Israel. Ele disse que os americanos estudaram a técnica para aprender “como assassinar os negros porque viram como os israelenses foram eficientes em assassinar palestinos nos territórios ocupados usando essas técnicas” e que “os israelenses têm orgulho disso”.
  • Ele disse que “o sionismo é uma mancha feia e que precisa ser gentilmente removido por nós”. Disso isso numa entrevista dada a um canal de TV afiliado ao grupo terrorista Hamas em junho de 2020.
  • Só para esclarecer: Waters destaca Israel enquanto ignorava os abusos dos direitos humanos em outras partes do mundo.
  • Ah, ele já comparou israelenses a alienígenas.

No show em Berlim, agora investigado pelos alemães, Roger Waters também fez uma comparação entre Anne Frank – a menina judia de 15 anos morta pelos nazistas depois de ficar escondida por dois anos num sótão em Amsterdam – com Shirin Abu Akleh, a jornalista palestino-americana que foi baleada e morta quando cobria um tiroteio entre militantes palestinos e o exército israelense em Jenin, em 2022. O exército israelense admitiu que a bala pode ter saído de um de seus soldados, demonstrando consternação e pedindo desculpas à família. Mas, claro, para quem odeia Israel, como Roger Waters, os soldados teriam deliberadamente atirado para matar a jornalista.

A comparação levou o Ministério das Relações Exteriores de Israel a tuitar: “Bom dia a todos, exceto para Roger Waters, que passou a noite em Berlim (sim, Berlim) profanando a memória de Anne Frank e dos 6 milhões de judeus assassinados no Holocausto”.

Não sei se alguém ainda tem dúvida de que o preconceito de Roger Waters passou dos limites da crítica a determinados governos israelenses. Para mim, não há dúvidas de que sim.

Artigos Relacionados

Quo Vadis Israel? (Para onde vai Israel?)
Quo Vadis Israel? (Para onde vai Israel?)

Calendar icon 25 de junho de 2024

Avraham Milgram* Essa é uma pergunta sem resposta e não apenas pela recomendação dos sábios judeus, חז”ל (chachameinu zichronam levrachá) aos irrefletidos, pela qual “a profecia foi dada aos tolos”, mas principalmente, porque os problemas agudos que dizem respeito à existência e ao futuro do Estado de Israel continuam em aberto, complexos e alguns insolúveis, […]

Arrow right icon Leia mais
Quem comemora mortes?
Quem comemora mortes?

Calendar icon 9 de outubro de 2023

Lia Vainer Schucman É muito triste que eu tenha que escrever isto hoje, mas diante de tanta desumanização do outro me senti compelida. Foi, sem dúvida, minha consciência judia, ou minha judaicidade que me fez entrar na luta antirracista. Não foi APESAR de ser judia, mas foi POR SER JUDIA que a luta antirracista se […]

Arrow right icon Leia mais
VÍDEO DO HAMAS COM REFÉM ISRAELENSE CAUSA COMOÇÃO, MAS NÃO AÇÃO
VÍDEO DO HAMAS COM REFÉM ISRAELENSE CAUSA COMOÇÃO, MAS NÃO AÇÃO

Calendar icon 28 de junho de 2022

Daniela Kresch TEL AVIV – O grupo terrorista Hamas, da Faixa de Gaza, publicou nesta terça-feira (28 de junho) um vídeo mostrando o cidadão israelense Hisham al-Sayed, um refém mantido em cativeiro há sete anos, em condições médicas precárias, deitado com uma máscara de oxigênio. O vídeo deve ter sido filmado em 21 de junho, […]

Arrow right icon Leia mais