
Gaza, inflação, custo de vida: A vida real bate à porta de Israel
Daniela KreschDaniela Kresch
TEL AVIV – Desde que tomou posse, no fim de dezembro de 2022, o novo governo Benjamin Netanyahu decidiu enfatizar apenas uma coisa: a reforma judicial para enfraquecer a Suprema Corte e, por consequência, a democracia do país. Mas talvez já possamos chamar de “natimorta”, porque cada vez mais fica claro que Bibi entendeu o quão impopular ela é.
A vida real bateu à porta dos israelenses que, em sua maioria, além de não apoiarem a reforma em termos ideológicos, estão sentindo o baque dos “problemas reais” do país. O mais recente problema real é o novo conflito com Gaza. Enquanto escrevo essas palavras, na quarta-feira, 10 de maio, Israel novamente está em conflito com grupos terroristas da Faixa de Gaza, um conflito que pode durar horas, dias ou até semanas.
Há também a pressão das manifestações de rua contra a reforma, a pressão internacional, principalmente dos Estados Unidos, a fuga de investidores e o rebaixamento de Israel por algumas agências de crédito, como a Moody’s. Por tudo isso, se as eleições fossem hoje, o Likud de Netanyahu receberia apenas por volta de 20 cadeiras, em vez das atuais 32.
Netanyahu e seus asseclas fizeram de tudo para justificar a reforma e tentar enfiá-la goela abaixo dos israelenses. Mas os moradores do país enfrentam taxas de inflação e de juros crescentes, aumento do custo de vida, conflitos e ataques com foguetes de Gaza, atentados terroristas, uma onda de homicídios no setor árabe e outros “detalhes”.
No campo da segurança, mais uma rodada de ataques e contra-ataques com a Faixa de Gaza leva a população a exigir soluções de segurança imediatas em vez de discussões filosóficas ou ideológicas quanto ao status da democracia local – apesar da importância dessas discussões.
No campo econômico, uma onda de aumentos de preços está a todo vapor. Até produtos com preços tabelados estão aumentando drasticamente, como pão básico e produtos lácteos específicos. O ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, e o ministro da Economia, Nir Barkat, estão segurando o preço da gasolina, mas talvez não consigam por muito tempo.
O que começou com a alta dos preços controlados do leite se transformou em um verdadeiro tsunami. As grandes empresas aproveitaram o aumento dos preços dos produtos lácteos controlados e anunciaram uma onda de aumentos de preços em taxas entre 5% a 10%. Empresas e importadores estão elevando os preços ainda mais, em até 25%. Nos últimos dias, o tsunami se espalhou para cafés e restaurantes, a indústria de sorvetes caseiros, sorveterias, pizzarias e confeitarias.
Além de produtos, os serviços básicos estão em plena ascensão. Um deles é o preço das creches para crianças de 0-3 anos – a única parte da educação básica em Israel que não é gratuita. Manter um filho na creche pode custar até 5 mil shekels (R$ 6,7 mil) por mês! Os pais mais jovens há anos pedem para que o Ministério da Educação se responsabilize também por essa faixa etária.
Aliás, essa foi a principal promessa de campanha de Netanyahu – e não adianta que seus porta-vozes tentem convencer o público que a campanha focou na reforma judicial. O que as pessoas querem é prover para suas famílias e não passar por problemas financeiros. Netanyahu tentou, há uma semana, dar descontos em impostos para pais de crianças de 0 a 3 anos. Mas a iniciativa foi considerada ridícula por quem esperava que as creches passassem a ser integralmente gratuitas.
Três quartos da sociedade israelense (75%) acreditam que o governo deve primeiro abordar a situação socioeconômica em Israel e não a reforma judicial, de acordo com o índice socioeconômico anual da Fundação Berl Katznelson, publicado há duas semanas. Só 19% acreditam que a reforma judicial deveria ser prioridade.
Entre os israelenses seculares, a porcentagem de pessoas que acreditam que a crise econômica deve ser uma prioridade é 92%. Até entre os que votaram nos partidos da coalizão a situação é clara: 61,5% acham que o governo deveria primeiro abordar a situação socioeconômica antes da reforma judicial. Além disso, 76% do público acha que o Estado de Israel deveria investir mais recursos em serviços de saúde, segurança, educação, bem-estar social e transporte público.
Os israelenses se perguntam: onde está o governo? Onde estão os ministros, as autoridades que deveriam lidar com tudo isso? A impressão que dá é que o país está congelado e foi sequestrado por um punhado de radicais que têm apenas uma obsessão: enfraquecer a democracia.
Netanyahu, no entanto, não chega a ser totalmente um deles. Ele, sim, gostaria de obter algum ganho jurídico que o salvasse de seus indiciamentos por corrupção. Mas, acima de tudo, ele é um político que gosta de ser popular. E ver seu partido caindo tanto nas pesquisas e seu legado sendo corrompido nacional e internacionalmente é demais para ele.
O conflito com Gaza pode dar uma sobrevida a Netanyahu, que sempre sabe lidar com esse tipo de conflito externo. A ideia é demonstrar força e aproveitar a união da população em momentos como esse para estabelecer sua liderança. Quem sabe, apesar da péssima notícia de mais essa rodada de conflito, Netanyahu entenda que a reforma judicial é coisa do passado.
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