Para um mundo repartido, uma dose de Amós Oz
20 dez 19

Para um mundo repartido, uma dose de Amós Oz

Suzana Salama

Amós Klausner se tornou Amós Oz aos 14 anos de idade, após a morte de sua mãe. Oz em hebraico significa força e Klausner passou a ser Oz, que passou a ser kibutznick, soldado, professor, escritor e militante político – e tornou-se, enfim, a principal voz de oposição israelense dentro e fora do país. Nascido em Jerusalém, filho de imigrantes russos, foi autor de 40 livros e um dos fundadores do movimento pacifista Shalom Achshav, Paz Agora, em 1978. Oz faleceu por conta de um câncer há exato um ano neste sábado (28).

Com retórica, clareza e fluência ímpares, Amós Oz foi fortemente acolhido pela crítica e público leitor do país em sua primeira década como escritor. Livros como Meu Michel (1968) foram muito elogiados, tornando-o símbolo de uma geração. A partir de 1980 vieram anos difíceis, quando não somente a crítica mas também departamentos de literatura negaram a maior parte de sua produção. Em 2003, com o lançamento de De amor e trevas, ficção baseada na história de sua família, houve nova reviravolta positiva para Oz. 

Segundo o autor, a reação negativa que enfrentou esteve ligada à sua atuação fora da literatura. Em uma de suas últimas entrevistas, publicada no livro Do que é feita a maçã, Oz fala sobre si em terceira pessoa para explicar as críticas sofridas anteriormente:

“Ele estava em todo lugar e em lugar nenhum. Isto é: na política também. Que história é essa, até chefes de governo o convidam para conversar e o citam na rádio, na imprensa. Quase não há movimento na esquerda em que ele não esteja de alguma forma no centro. (…) não dá para saber qual é a dele, ele não se encaixa na esquerda pós-sionista que diz que todo o projeto sionista foi um erro ou um crime, nem com os que dizem ‘logo tudo isso vai acabar e o último vai apagar a luz’. Mas tampouco está com os que gostam dos lugares santos e se derretem de tanto que somos belos e Israel é uma luz para todos os povos. Mas também não está com os que dizem que os árabes não têm culpa alguma e nós é que somos culpados de tudo. Que tipo de pessoa é essa, escorregadia como uma enguia?”

Com bom humor, Oz narra também que no começo da carreira pediu um único dia por semana à comunidade do kibutz para se dedicar ao trabalho com a escrita e recebeu uma primeira resposta negativa: “Não é possível conceder o estatuto de artista a alguém. Todos poderão reivindicar.” E a segunda, não menos importante: “Quem vai ordenhar as vacas?”.

Ainda sobre o ofício do escritor, conta da dificuldade em escrever sobre a guerra (“Um dos motivos é que a lembrança mais aguda que tenho do campo de batalha é a dos cheiros. Cheiros não se comunicam”). Em outro momento, cita um poema de Nathan Alterman: “Porque o mundo está partido, porque ele é dois, e é duplo o som de seu lamento, pois não há casa que não carregue seu morto, e não há morto que esqueça sua casa”. Para Oz, conviver com os mortos é convidá-los às vezes para uma xícara de café e enviá-los, após evocar algumas lembranças, de volta à escuridão. 

O mundo de fato está partido, com fronteiras duais, fortes e bem definidas. Está partido entre guerra e paz, literatura e mesquinhez, fanatismo e equilíbrio, política e selvageria, mortos e vivos. Amós Oz dedicou sua obra justamente à discussão do meio termo, do razoável, do sensível. Para mortos e vivos há sempre uma xícara de café.

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